sexta-feira, 11 de maio de 2007

Relativizando um Pouco

Tenho uma amiga que está sempre de bem com a vida. Não que sua vida seja um mar de rosas constante; muito pelo contrário. Atualmente ela atravessa um momento difícil. Está desempregada e sua família passa por dificuldades financeiras, com as quais ela em nada pode colaborar. Está solteira aos 31 anos, há algum tempo sem conhecer alguém realmente interessante, e seu maior sonho é casar-se e ter filhos. Mas sempre que nos falamos, noto em sua voz sua característica animação. Ela é uma pessoa que não se permite esmorecer facilmente.

Outro dia ela me contou uma história. Havia um menino pobre, que não tinha dinheiro nem para comer; e o sonho do menino era ter um cavalo. Um belo dia passa em frente à sua casa um cavaleiriço, conduzindo cinco belos cavalos e um potro pela estrada. O cavaleiriço vê o menino sentada na calçada e lhe pergunta se ele gostaria de ficar com o potro; preparava-se para um grande percurso, e tinha dúvidas sobre a capacidade do potro em completar a jornada. O garoto, sem titubear, aceita a oferta e fica com o potrinho. O vizinho, que a tudo assiste da porta de sua casa, dirige-se ao menino: “Mas que sorte a sua! Pobre como você só, tem como sonho possuir um cavalo, e eis que ganha um de um viajante desconhecido!!”. Ao que o pai do menino pobre responde: “Sorte, ou azar”.

O potro cresce e se torna um belo cavalo de porte. Um dia, sem que ninguém pudesse esperar por isso, o cavalo foge, o que faz o menino sentir-se muito triste. Novamente o vizinho comenta: “Que azar! Pobre como você só, tem como sonho possuir um cavalo, e eis que ganha um de um viajante desconhecido! O potro cresce e se transforma em um belo cavalo, e eis que um dia, sem mais nem menos, foge!”. Ao que o pai do menino responde: “Azar, ou sorte”.

Algum tempo depois, o cavalo reaparece, trazendo consigo duas fêmea e outros três machos, todos selvagens. A família do menino pobre constrói então um cercado em seu quintal, e começa a domesticar os cavalos. Rapidamente os cavalos se reproduzem, e eles iniciam uma pequena criação. O vizinho novamente se faz ouvir: “Que sorte a sua! Pobre como você só, tem como sonho possuir um cavalo, e eis que ganha um de um viajante desconhecido! O potro cresce e se transforma em um belo cavalo, e eis que um dia, sem mais nem menos, foge! E algum tempo depois, eis que o cavalo ressurge com outros cinco, vocês começam a domesticá-los e iniciam uma pequena criação!”. Ao que o pai do menino novamente responde: “Sorte, ou azar”.

Um belo dia, enquanto treinava os cavalos, o pai do menino pobre leva um coice de um deles e cai por cima do cercado que se quebra, e um pedaço da madeira rasga sua perna, causando um imenso ferimento. O vizinho novamente comenta: “ Que azar! Pobre como você só, tem como sonho possuir um cavalo, e eis que ganha um de um viajante desconhecido! O potro cresce e se transforma em um belo cavalo, e eis que um dia, sem mais nem menos, foge! E algum tempo depois, eis que o cavalo ressurge com outros cinco, vocês começam a domesticá-los e iniciam uma pequena criação! E eis que um dia seu pai leva um coice, cai por cima do cercado que se parte e rasga sua perna, causando esse imenso ferimento!”. De dentro da casa faz-se ouvir a voz do pai do menino pobre: “Azar, ou sorte”.

Algum tempo depois, o país em que vivia o menino pobre, sua família e o vizinho entra em guerra com o país vizinho. Todos os homens são convocados a apresentarem-se como soldados, menos os velhos, as crianças e os feridos. Assim, o pai do menino pobre é o único homem do povoado a não ser convocado para a guerra. Assume espontaneamente como sua responsabilidade cuidar das famílias que haviam ficado sem seus homens, ajuda a todos e garante que o povoado continue prosperando até que a guerra termine e os homens retornem para suas casas.

Essa historinha, disse-me minha amiga, nos ensina que um acontecimento, analisado individualmente, nunca é bom ou ruim, nunca concerne em si mesmo uma verdade absoluta. Tudo é relativo, já nos dizia Einstein em tempos idos. Algumas vezes podemos ser surpreendidos por acontecimentos inesperados, ruins a princípio, mas que depois de algum tempo mostram-se determinantes para que algo muito bom aconteça.

A verdadeira felicidade depende única e exclusivamente da forma com que enxergamos a vida. Uma pessoa pode ser vítima de um seqüestro, ficar dias em confinamento, ser salva e passar o resto da vida relembrando aqueles terríveis momentos, sofrendo um sofrimento sem fim até o dia de sua morte. Ou pode dar graças a Deus e sorrir, agradecendo por ter se salvado. Tudo depende do ângulo pelo qual enxergamos as coisas que nos acontecem.

Lembro-me de uma outra história, esta contada pelo meu pai. Dois meninos esperavam ansiosos seus presentes de Natal. Os dois haviam pedido ao Papai Noel carrinhos de madeira, como os que haviam visto na vitrine de uma loja chique de brinquedos. Ambos abriram seus presente no dia de Natal, e ambos ganharam a mesma coisa: um pedaço de madeira maciço. Um dos meninos começou a choramingar: “Que azar o meu! Peço um carrinho de madeira e ganho um bloco de madeira maciça!”. O outro estampava um sorriso no rosto. “E você, tão azarado quanto eu, também pede de presente um belo carrinho de madeira, ganha um bloco de madeira maciço e ainda sorri?”, pergunta o choramingoso. Ao que o sorridente responde: “Tenho em minha casa a caixa de ferramentas de meu pai. Na caixa há pregos e um martelo, serrotes, pincel e tinta. Me faltava apenas a madeira para que eu pudesse construir meu próprio carrinho”.

Às vezes é preciso que relativemos um pouco a vida. Talvez não haja pote de ouro nenhum, ao final do arco-íris. Talvez o pote de ouro seja uma simples metáfora, que simboliza quão enriquecedora pode ser a jornada de percurso do arco-íris, vislumbrando maravilhosas paisagens de lá de cima.
Março de 2005.

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