sexta-feira, 4 de abril de 2008

Ex Pessoas

Sempre que um relacionamento chega ao fim, as pessoas envolvidas repetem a torto e a direito que desejam continuar sendo amigas; que não querem perder contato, que desejam sinceramente continuar fazendo parte um da vida do outro, encaixados em uma nova categoria: a da amizade. Venho me questionando sobre as verdadeiras possibilidades de uma amizade verdadeira surgir de um término de namoro. E admito ainda não ter chegado a uma conclusão sobre quão possível é isso.

O que ocorre é que quando um relacionamento termina, geralmente uma das duas partes sai contrariada. Esse papo de “terminamos em comum acordo” é apenas e tão somente isso: papo. Claro, algumas vezes ambos estão descontentes e acabam concordando que o melhor que se tem a fazer é encerrar o relacionamento. Mas na grande maioria das vezes, o namoro acaba em sociedade; um entra com o pé e o outro com o traseiro. E cada uma das duas situações possui suas peculiaridades; quem rejeita e quem é rejeitado. Examinemos ambas as situações.

Quando você é quem toma a iniciativa de romper um relacionamento, é muito comum que precise de uma distância da ex-pessoa. Isso porque, além de ser o responsável pelo término, o que supõe que esteja em suas mãos a manutenção da condição de rompimento, fica difícil conviver com o ex de forma intensa no início. Uma série de projeções que haviam sido feitas tem de ser reintrojetadas, como se você houvesse apostado muitas fichas em um jogo de roleta e tivesse perdido; você precisa se reabastecer de suas próprias fichas, de suas energias, até sentir-se completo novamente. E fazer isso mantendo um contato freqüente com o ex fica difícil.

Além disso, assim que se rompe um namoro, fica-se naquele clima de recém-solteiro: você só consegue pensar que está livre, que não namora mais, e é bem capaz de deslumbrar-se com esta nova qualidade. Geralmente seus assuntos irão referir-se às novas experiências que está tendo, sobre a forma como vem se sentindo, sobre os programas que vem fazendo. E muito provavelmente seu ex, sentido pelo término indesejado, não estará muito interessado em saber como estão sendo suas novas experiências.
Se estiver totalmente convicto de que não é mais essa a relação que você deseja, que não corre nenhum risco de ter uma recaída, o medo de magoar o ex também pode ser um dos fatores que podem gerar ou manter a distância inicial. Você pode não querer passar pela situação de ter de reafirmar várias vezes que não quer voltar, que deseja continuar sozinho e que está mais feliz assim.

E se você é quem é terminado, a situação piora. Você pode até morrer de vontade de encontrar a outra pessoa, de saber como ela está, de avaliar quais são suas chances de reconquistar o ex. Mas se a outra pessoa estiver certa sobre a decisão tomada, esta proximidade passa a ser masoquismo. Você deseja ardentemente encontrar o ex, mas quando o encontra, não recebe aquilo que faria com que você se sentisse satisfeito. Você anseia por um telefonema, mas quando este se dá, a frieza ou distância impressa na voz do outro aniquila suas expectativas de retorno do namoro. Você precisa saber o que o outro anda fazendo, mas se fica sabendo que ele está muito bem, obrigada, sem você, sente-se a última pessoa do universo e tem vontade de pular pela janela.

A amizade entre duas pessoas não pode ser algo forçado; você não pode e nem deve exigir que uma pessoa queira ser seu amigo. Muitas vezes este desejo de “ser amigo” pode até representar uma tentativa camuflada de negar o término e a separação, de não se distanciar totalmente. Se foi você quem terminou, talvez ainda esteja inseguro, com medo de se arrepender; a amizade surge como uma forma de manter a pessoa por perto, de não se distanciar demais ao ponto de não conseguir voltar atrás se desejar. E se você foi terminado, talvez esteja tentando se convencer de que qualquer contato com a pessoa que o rejeitou seja melhor do que ficar definitivamente sem ela. Mas muito cuidado para não se conformar em receber menos do que deseja. Se você continua apaixonado, é bem difícil que se sinta satisfeito em ter apenas a amizade da outra pessoa.

Amigos não sentem ciúmes de amigos; ficam felizes se eles estão felizes, independentemente de que esta felicidade seja decorrente de um romance que acaba de começar. Amigos não são possessivos em relação aos outros. Amigos não cobram um telefonema todos os dias, e nem cobram sair juntos todos os finais de semana. Amigos não sentem desejo por outros amigos – ou pelo menos não deveriam.

Cuidado para não cair no conto de “vamos continuar amigos”. Vocês não eram amigos, e sim namorados. Não têm como continuar sendo algo que nunca foram. O distanciamento é necessário para a desvinculação. E apenas desvinculado é que se consegue realmente avaliar se a decisão foi a correta ou não. A amizade vem apenas em um segundo momento, quando cada um dos ex passa a ser novamente uma pessoa inteira, quando todas as mágoas tiverem sido superadas, quando todas as expectativas tiverem sido reintrojetadas, quando todo o sentimento houver terminado.

Tudo neste mundo tem seu tempo. Até a amizade.
Dezembro de 2004

Fuja do Telefone

(ou, O Indecifrável Porquê Dos Homens Dizerem Que Vão Ligar E Nós Acreditamos)
Toda vez é sempre a mesma coisa. Você conhece um carinha legal, bonitinho, com um papo bacana... Às vezes o recém conhecido te beija às vezes não. Mas invariavelmente, se ele te achou legal, bonitinha e com um papo bacana, faz a promessa: amanhã te ligo. E invariavelmente você acredita.

Creia, irmã, você não é a única a acreditar nesta balela. Claro, não é regra você ficar o dia inteiro esperando a maldita invenção de Grahan Bell tocar, sentindo frios na espinha quando toca, e querendo se jogar da janela do seu prédio – ou do viaduto do chá, se você não mora em apartamento – quando vê que não era ele. Mas é inacreditável o número de vezes em que ligo para minhas amigas, elas atendem com uma vozinha doce do outro lado da linha e mudam o tom de voz ao ver que era só eu.

Porque falam que vão ligar se não ligam? Porque não falam apenas um “agente se fala”, “te ligo dia desses”, “vou te ligar”? Porque acrescentar o adjunto adverbial temporal “amanhã”? Afinal, esperar o cara te ligar um dia é bem diferente do que esperar o cara te ligar tal dia. Se ele ficou de te ligar provavelmente você nem vai acreditar, vai reclamar que ele foi vago e que o encontro foi de uma noite e nada mais. E no dia em que ele ligar – se ligar, é claro – você vai ficar toda contente por ele ter se lembrado de você e ter perdido momentos preciosos da vida te telefonando. Vai até dizer, contente, para as amigas, “meu, você não sabe quem me ligou”, com aquele ar de quem recebeu uma dádiva divina.

Mas se ele fala em amanhã, está te localizando no tempo e no espaço, garantindo alguma coisa, dando uma continuidade para uma noite que certamente não vai cair no esquecimento. E você vai dormir com aquela sensação de ter vivenciado um momento de encontro. E você vai acordar sentindo um frio no estômago, uma ansiedade que você não consegue explicar o porque até se lembrar da promessa feita no dia anterior. Vai passar o dia contente, esperando chegar o finalzinho de tarde, hora em que os telefonemas se dão. Vai verificar o celular o tempo todo, procurando alguma ligação perdida. Mas quando a novela das oito acaba, você vê que já está ficando tarde e ele não ligou... Aí começa o tormento. “Desgraçado, filho da mãe, cretino!”, é tudo o que você consegue pensar. E então se inicia uma série de telefonemas desesperados para suas amigas, nos quais você se pergunta o porque de tanta safadeza, começa a se questionar o que pode ter feito de errado para o crápula acordar no dia seguinte, coçar a cabeça e chegar à conclusão: “não... acho que não vou ligar”, e se esquecer de você por completo.

Conversando com uma amiga sobre isso outro dia e ela me deu a solução: é justamente isso que o canalha quer. Te deixar apreensiva e pensando nele o dia seguinte inteiro. Ser lembrado a cada toque do seu telefone, ser comentado por você com as suas amigas. Para quê falar que te liga qualquer dia, e deixar você tranqüila, se ele pode dar uma de gostoso e fazer seu pensamento se fixar nele no dia seguinte inteiro? Ele quer é te prender a ele, te fazer esperar, esperar, esperar...

Uni-vos mulheres que esperam um telefonema! Saiam dessa e invertam o jogo:

* Se ele disser que liga no dia seguinte, diga que amanhã você estará muito ocupada e, caso você não atenda o telefone, que ele não pense que você não quer atender, e sim que está mais atarefada fazendo outra coisa. Isso vai fazer ele te ligar, afinal, quem não quer saber se é mais importante do que os compromissos do dia a dia?

* Se ele te ligar, não atenda. Ele vai se sentir preterido, e um homem preterido é tudo o que uma mulher precisa!! Todo mundo merece se sentir a última bolacha do pacote, e ainda por cima recheada e de chocolate!!


* Se achar que não vai agüentar ouvir o telefone tocando e não atender, jogue o mesmo jogo dele. Fale que seu celular está com problema, e que por isso você prefere pegar o telefone dele. E lembre-se: diga que vai ligar no dia seguinte!!! Pois aí, quem vai ficar esperando o telefone tocar será ele, enquanto você, fêmea poderosa, coça a cabeça ao acordar e decide se vai ligar ou não...
Março de 2005

Honestidade


Muito ouve-se falar sobre honestidade. Que a sinceridade é a melhor virtude, que nada pode ser melhor do que estar em um relacionamento aberto e com espaço para o diálogo, e bla-bla-bla. Obviamente ninguém quer se sentir enganado, feito de bobo ou coisa do gênero. Mas será mesmo que a honestidade é sempre a melhor escolha? Será que em um relacionamento, que envolve tanto de tática e política, as pessoas sempre devem saber da verdade, custe o que custar? Ou em alguns momentos, quando sentimentos, valores e emoções tão delicadas estão em jogo, o melhor a se fazer não é apenas ser honesto consigo mesmo?

Eu sempre fui destas sonhadoras que acreditam que a sinceridade é a melhor pedida. Sempre achei que, houvesse o que houvesse, deveríamos saber da verdade. No meu último relacionamento, eu e meu ex fizemos um pacto de sinceridade: diríamos sempre a verdade, por pior que ela pudesse ser. Eu teria que passar o próximo mês fora, a trabalho, e combinamos que, caso algo de “inusitado” ocorresse, contaríamos tudo, tim tim por tim tim. Mas nem tudo ocorre como o planejado, e depois de algumas decepções diante de certas atitudes do meu namorado e de alguns emails confusos trocados, traí meu namorado com um colega de trabalho.

A coisa não passou de uns beijinhos de boa noite, mas no dia seguinte, quando acordei, percebi que não me sentia bem com o que tinha acontecido. Não por ter traído a confiança do moço, mas por ter traído a mim mesma e ao sentimento intenso que eu tinha. Apesar de decepcionada, ainda acreditava que as coisas pudessem dar certo. E depois de uma conversa franca e honesta com meu amigo, as coisas foram colocadas em pratos limpos e nosso laço de amizade intensificou-se ainda mais.

Mas quando voltei da viagem e reencontrei meu namorado, percebi que as coisas não estavam iguais. No início pensei que eu estivesse “over-reacting”, motivada pela consciencia de que eu não havia feito por valer nosso pacto de sinceridade. Mas depois de três finais de semana seguidos separados, impossibilitados de nos vermos em função da agenda repentinamente lotada do namorado – que passou a trabalhar aos sábados e jogar futebol aos domingos – percebi que a vaca tinha ido para o brejo. Depois de uma conversa doída, ele admitiu que não estava tão envolvido no relacionamento quanto eu e decidimos por terminar o namoro. E qual não foi o meu espanto quando, dois dias depois, ele veio de surpresa à minha casa e admitiu que havia me traído também, por duas vezes, enquanto eu viajava a trabalho. Duas vezes, e com a mesma mulher.

Há uma coisa curiosa em relação à honestidade, é esta coisa é o que motiva a honestidade. Uma questão filosófica: uma árvore de uma tonelada que cai em meio á uma floresta sem que haja alguém por perto que ouça o barulho. Fez barulho ao cair? No meu caso, a resposta era não. Mas no caso do namorado, o barulho parecia ter sido tão grande que, depois de um mês que eu voltara de viagem, ainda ressoava em seus ouvidos. E o que me deixou profundamente pensativa foi o comentário que ele fez depois que me contou a verdade: que sentia-se tão culpado por ter feito o que fez que não conseguia me tratar da mesma forma. Quando é que a honestidade para com o outro ultrapassa o limite da sinceridade altruísta, caindo no lugar comum da confissão? Qual é o verdadeiro valor da honestidade motivada pelo sentimento de culpa?

A culpa é um sentimento horrível, pois está intimamente associado ao conceito de punição. Quando somos crianças e fazemos algo de errado, nossos pais fazem com que “paguemos” pelo nosso erro, tirando-nos privilégios ou dando-nos belos tapas na bunda. Com o tempo, aprendemos que determinada coisa é errada pois virá acompanhada da punição, e a partir deste momento, quando cometemos conscientemente um erro, sentimo-nos culpados. Desta forma, a culpa nada mais é do que o sentimento que nos assola entre o erro cometido e a punição merecida. Mas a filosofia ocidental-cristã prega que, caso confessemos nossos erros, seremos absolvidos pelo mesmo, como um prêmio recebido pela coragem de admitirmos nossas falhas. E aparentemente, foi isso o que o namorado pretendia, ao admitir sua traição.

Naquele momento ele foi o menino pecador assustado e eu, seu padre confessionário, que o faria sentir-se péssimo pela sua falta de consideração e que, no momento seguinte, o perdoaria. Algo como, “ajoelhe-se no milho e reze vinte aves-maria e doze pais-nosso”. Mas eu o surpreendi, dizendo que eu também havia sido infiel a ele. Mas que, em momento algum, havia traído a mim mesma. Contei o que tinha acontecido entre mim e meu colega de trabalho, e a reação do moço foi a de indignação. Ele não conseguia entender como eu havia feito o que havia feito sem me sentir culpada. Teria sido engraçada, se não fosse trágica, a expressão do moço diante da minha honestidade. Raiva, rancor, indignação e inconformismo eram os sentimentos que o dominavam quando ele me disse que preferiria não saber da verdade. E quando eu perguntei o porque de ele pensar assim cinco minutos depois de ter sido honesto, ele me respondeu que me disse pois se sentia culpado, e que se eu não me sentia assim não deveria ter contado nada. Bingo, ganhei um frango.

A pior desonestidade que pode existir é a desonestidade consigo mesmo. Uma parábola budista conta que um mestre e seu discípulo peregrinavam quando encontraram uma mulher na beira de um rio. Quando se aproximaram, a mulher lhes disse que precisava atravessar o rio para comprar mantimentos, mas que não sabia nadar. O mestre prontamente ajoelhou-se no chão, oferecendo os ombros para que a mulher se sentasse neles e ele a carregasse até a outra margem, e assim ela o fez. Cruzaram o rio, a mulher agradeceu e foi-se embora. Mas o discípulo não conseguia compreender a atitude do mestre; como é que ele, um sábio que vivia em celibato, havia oferecido os ombros para que neles a mulher se empoleirasse? Depois de meses atormentado pela questão, ele interpelou o mestre, e depois de expor o motivo de seu anseio ele lhe respondeu: “Pois é esta a diferença entre o mestre e o discípulo: enquanto um carrega a mulher nas costas de uma margem a outra do rio, o outro a carrega nas costas por meses a fio”.

E esta foi a diferença entre meu ex-namorado e eu: o grau de maturidade envolvido na intenção de ser honesto. Enquanto eu carreguei meu deslize nas costas de uma margem do rio e outra, ele carregou o seu por meses a fio, e apenas o abandonou no momento em que confessou-me seus pecados, esperando pela minha absolvição. Mas ela nunca veio. O namorado virou ex, o amigo continuou sendo amigo e eu demorei certo tempo para recuperar a minha auto-estima. Mas no final de tudo, convenci-me de que o maior triunfo de uma pessoa é a honestidade para consigo mesma, antes de ser para com o outro. O que, antes de qualquer outra coisa, é a prova mais concreta da maturidade pessoal de um individuo que se aceita e se respeita.
Novembro de 2005

O que é mais difícil... é mesmo mais gostoso?

Uma de minhas melhores amigas é uma mulher belíssima e extremamente inteligente. Redatora de uma agência de publicidade, é dona de um dos sensos de humor mais perspicazes com os quais já me deparei. Divertida, sexy e com ótimo gosto para se vestir, dificilmente passa despercebida em uma ocasião social. Articulada, consegue relacionar-se com todos os tipos de pessoas com igual facilidade. Sexualmente independente, resolvida consigo mesma e com o mundo, já dormiu com tantos homens lindos que é de fazer inveja a qualquer mortal. Mas apesar de possuir tantas qualidades, ultimamente vem se lamentando da dificuldade em encontrar um homem que, mais do que aquecer sua cama, aqueça seu coração.

Entretanto, há uma característica referente a seu comportamento afetivo e sexual que chama a atenção. Ela costuma se apaixonar por homens que possuem em comum uma única característica: nunca estão disponíveis. Sua mais recente paixão foi por um homem grosso, mal educado, comprometido e que agia como se a tomasse por imbecil e idiota, desprezando sua inteligência. Antes disso, apaixonara-se por um “amigo” que vivia a cortejando, no exato momento em que ele começou a namorar com outra. E para finalizar, encantara-se com outro dias antes de ele se mudar do país. E é desnecessário dizer que antes de pensar em viajar, este também vivia convidando-a para sair. E ela nunca tinha vontade.

A impressão que eu tinha era a de que se tratava de uma dinâmica típica de uma pessoa com um escancarado medo de se envolver. Esta idéia foi reforçada quando ela me contou que havia saído com mais um homem que havia levado-a para jantar em um restaurante japonês caríssimo – e pagado a conta – e que a tratara muito cortesmente, presenteando-lhe com uma blusa muito bonita e nem sequer tentando-a beijar no final do encontro. Mas ela não lhe dera a mínima. Ela interessava-se apenas por homens que não estavam disponíveis e que não apresentavam condições de proporcionar-lhe o que desejava. Como se estivesse em um ponto, esperando um ônibus de determinada linha passar, mas ao invés de entrar em um com ar condicionado, vazio e com poltronas confortáveis nas quais pudesse se sentar, escolhia deliberadamente entrar em um caindo aos pedaços, lotado e no qual mal poderia respirar de tanto calor.

Esta percepção me fez lembrar algumas sessões com minha terapeuta, nas quais havíamos conversado sobre este mesmíssimo assunto: a extrema facilidade em me apaixonar e manter-me interessada por homens que não me davam a mínima e, por outro lado, a mesma facilidade em desinteressar-me e me afastar daqueles que se mostravam genuinamente disponíveis e bem intencionados. Na época esta intervenção pareceu-me absurda e até mesmo ofensiva: eu não era nenhuma masoquista, retardada e viciada em rejeição!!! Mas passado algum tempo, comecei a cogitar veementemente tal possibilidade.
Seria possível que nós, mulheres inteligentes e interessantes fôssemos, por outro lado, estúpidas ao ponto de nos permitirmos envolver sempre com os homens errados? Estaríamos nós, guiadas pela máxima de que o que é mais difícil é também mais gostoso, desperdiçando as possibilidades de encontrarmos homens bons e dispostos a viver, conosco, algo que valesse a pena? E direcionando sempre nossos pensamentos e sentimentos para homens que, nem em um milhão de anos, nos dariam o que queríamos? Em última análise, estaríamos nós reproduzindo o comportamento masculino – do qual sempre nos queixamos – e quando percebemos que o “alvo” de nosso interesse está disponível, imediatamente nos desinteressamos?

Angustiada pela possibilidade de estar sendo, eu mesma, minha própria inimiga, sabotando minhas chances de ser feliz e imitando os movimentos instintuais caninos de correr atrás do próprio rabo, pus-me a pensar em meus últimos relacionamentos amorosos. Tentando identificar em mim mesma um padrão de envolvimento, cheguei a conclusões estarrecedoras. Quando eu percebia que um homem pelo qual eu estava interessada não me correspondia, ao invés de partir para outra ou simplesmente olhar ao redor verificando se não havia por perto algo melhor, eu fazia do cidadão um verdadeiro desafio. Um que nunca namorou ninguém? Ah, comigo ele namoraria. Um que nunca foi fiel? Ah, comigo ele seria. Um que pensava em se mudar de cidade? Ah, por mim ele mudaria de idéia.

Ao invés de me afastar dos tipos que, previsivelmente, me fariam sofrer, eu intencionalmente permitia-me me aproximar. Transformava a “dificuldade” ou o “defeito” da pessoa em um desafio pessoal. Como se ela apenas fosse do jeito que era porque não havia me conhecido antes. Eu, o umbigo do Universo, a mulher mais interessante do planeta Terra, certamente conseguiria o que nenhuma mulher havia conseguido antes: consertar um homem errado. E, se acaso conseguisse, o mérito seria totalmente meu. Assim, eu confirmaria a mim mesma o quão especial, maravilhosa e superior eu era. E as outras pessoas me olhariam e comentariam entre si, “nossa, ela conseguiu... e se conseguiu, é porque realmente é muito especial!!”. E eu me convenceria de que realmente possuía tais características. Pura insegurança de minha parte.

Mas o pulo do gato nessa história toda era que a idéia contrária também era verdadeira: uma vez que, se eu conseguisse o que queria, o mérito seria meu... se não conseguisse é porque a falha também haveria de ter sido minha. Na verdade, a minha grande falha era a de não levar a outra pessoa em consideração. Não pensava na possibilidade de que talvez o cara fosse mesmo um problemático que nem eu e Freud, juntos, poderíamos dar conta. Que talvez ele tivesse acabado de sair de uma aventura amorosa e estivesse traumatizado. Que ele talvez fosse viado e ainda não houvesse se descoberto. Enfim, que talvez a razão pela qual meus planos teriam ido por água a baixo não dissesse respeito exclusivamente à minha pessoa. Por mais especial, inteligente e interessante que fosse.

Complementarmente, permitir que uma pessoa interessada em mim se aproximasse significava me mostrar como verdadeiramente eu era. Não teria que “fazer tipo”, que planejar frases, que escolher as melhores palavras de modo a agradar e a conquistar quem quer que fosse, pois a pessoa já estaria interessada. Já havia percebido minhas qualidades sem que eu precisasse ficar “esfregando-as” na cara de ninguém. Muito pelo contrário, me permitir envolver significaria permitir que a pessoa conhecesse, também, meus defeitos e minhas piores facetas. Buscando sempre as pessoas erradas eu estaria, na tentativa de me envolver, me impedindo de me envolver. E também de me relacionar, o que significava levar o outro em consideração... afinal, uma relação é feita de, no mínimo, duas pessoas.

É incrível a capacidade que temos de nos sabotar. Afinal de contas, só consegue enganar alguém quem conhece profundamente quem vai ser enganado. E neste caso, ninguém nos conhece mais do que nós mesmos. O que nos impede de aceitar conhecer uma pessoa que se mostra disponível é, em última análise, o medo da rejeição. Enquanto tentamos conquistar alguém, buscamos decifrar o que agradaria a pessoa, ocultamos tudo aquilo que não seria adequado, pegamos todas as nossas qualidades, as lustramos e colocamos todas elas em uma vitrine, bem expostas aos olhos do objeto de nosso interesse. Não há relação, apenas o jogo da conquista. O que não acontece quando nos deixamos envolver com uma pessoa que já se interessa por nós. Neste caso há uma relação, há a convivência, há a troca. E os defeitos e coisinhas irritantes também têm o seu espaço.

Na verdade quando conseguimos ocultar nossos defeitos dos outros, é quase como se conseguíssemos ocultá-los de nós mesmos...
Março de 2005

Objetivos

Outro dia estava conversando com um amigo na academia; ele me contava de uma garota com a qual estava saindo. Pareciam estar se dando bem, se falando todos os dias pelo telefone, se vendo uma, às vezes duas vezes por semana. Tudo corria às mil maravilhas até que a garota viajou para os jogos universitários da sua faculdade; passaria dez dias no interior, mas prometeu que ligaria para ele durante este tempo. Obviamente, não ligou. Ela nem havia voltado da viagem ainda e ele já tinha saído com mais três meninas da academia, falava que tinha resolvido – da noite para o dia – aproveitar sua vida de solteiro. Disse que naquele mesmo dia iria sair com uma quarta, que eu sabia, mas ele não, era amiga da sumida. Quando eu perguntei o objetivo daquilo tudo, ele me responde: “se quem eu quero não me quer, vou sair querendo todo mundo!”, para logo depois acrescentar, como quem não quer nada, que podíamos combinar de fazer alguma coisa durante a semana. Eu, hein?

Lembrei instantaneamente de outra amiga minha, cujo pai fala pouco, mas quando fala, é muito sábio. Ela contava ao pai que tinha saído com um carinha na terça, outro na quarta e que estava se arrumando para sair com um terceiro na sexta. E ele, perspicazmente, comentou: “E eu fico aqui me perguntando o objetivo disso tudo...”. Parei para pensar na enorme quantidade de vezes em que eu mesma faço coisas cujas conseqüências poderiam ser desastrosas – e algumas vezes de fato o são – sem me questionar o verdadeiro objetivo das minhas atitudes.

Penso que a grande maioria das pessoas é assim. Não se questionam, não param sequer por um momento para pensar a real motivação de se comportarem de X ou Y maneira. Tenho até mesmo uma paciente que sempre, ao final do relato sobre alguma coisa que lhe aconteceu, acrescenta, com um sorriso tímido: “Se eu tivesse parado e respirado por dez segundos, não teria feito nada disso!”. E eu fico sempre me perguntando... e porque não parou para respirar? Porque essa necessidade de atuação, de agir, de fazer, de acontecer? Qual é esse medo que existe em dar uma pausa, observar as reais motivações que levam a cometer esta ou aquela atitude? Entrar em contato com o que de verdade se sente?

É inacreditável o número de pessoas que conheço que não entra em contato com seus sentimentos. Se escondem daquilo que sentem como se seus próprios sentimentos lhe fossem inimigos terríveis. Outro dia conversava com uma amiga, que me dizia, chorosa: “Prefiro passar por cima dos meus sentimentos do que por cima de mim mesma!”. E qual é a diferença? Essa minha amiga vinha encarando seus sentimentos como algo externo a ela própria, como algo que deveria ser combatido, renegado, expulso, exorcizado de dentro de si. Outra amiga me dizia, dia desses, que sabia que não deveria estar sentindo X sentimento, e que por isso acabava se punindo. E quem, em nome de Jesus, é capaz de dizer o que se deve ou não sentir?

Sentimentos não são certos, errados, aconselhados ou contra-indicados, bons ou maus. São simplesmente sentimentos. Certo, errado, bom ou ruim é o que fazemos a partir destes sentimentos. Você não pode ser responsabilizado por amar ou odiar alguém, mas sim pela atitude que toma a partir deste sentimento. Quantas e quantas vezes não estamos com raiva, inveja, rancor ou mágoa de uma pessoa e não nos permitimos admitir estes sentimentos, como se a máxima cristã de sempre amar ao próximo fosse algo possível de ser exercitado vinte e quatro horas por dia? Fingimos que não estamos sentindo nada, mas na primeira oportunidade, despejamos toda a mágoa acumulada em cima desta mesma pessoa, passamos como um Boeing 747 por cima dela, e depois nos sentimos mal; aquela consciência culpada, de quem fez alguma coisa errada.

A grande maioria das atitudes impensadas é tomada a partir de sentimentos que já estavam ali há muito tempo, esperando por ser reconhecidos, mas que foram negados, subjugados, reprimidos. No caso do meu amigo da academia; qualquer pessoa com QI acima de 20 seria capaz de reconhecer que ele nutria um baita sentimento de rejeição pela garota-viajada, menos ele próprio, que possui um QI muito mais elevado do que isso. E eram justamente estes sentimentos que o estavam fazendo sair com qualquer garota, a torto e a direito, para tapar o buraco deixado pela primeira, que não tinha correspondido às suas expectativas.

A questão parece ser a de que admitir os próprios sentimentos, hoje em dia, é sinal de fraqueza. Admitir que se ama quem não nos ama, de que se deseja o que não se recebe, de que se sonha sonhos que não se realizam... tudo isso parece exprimir uma fragilidade extrema, uma fraqueza imensurável... Quando na verdade, toda moeda possui dois lados, e nos dias de hoje, assumir o que se sente me parece muito mais um sinal de força e de respeito por si próprio do que de fraqueza.

A partir do instante em que se toma contato com os sentimentos, em que se admite que talvez o que se sente não é o mais agradável ou confortável, mas que está ali, à espera de reconhecimento e respeito, temos o embasamento necessário para estabelecermos a tomada de atitudes com reais objetivos. Sejam eles quais forem. Mas que existam, pelo amor de Deus.
Março de 2005

Regredindo

Hoje cheguei à conclusão de que tenho, no máximo, uns 5 anos de idade mental. Não muito mais do que isso. Não sei como é que uma pessoa de 26 anos pode ter um déficit tão grande entre idade cronológica e idade mental. Mas eu tenho.

Talvez seja por isso que me dou tão bem com crianças. Talvez elas tenham algum tipo de sexto sentido que capta as pessoas com a mesma mentalidade que elas. O fato é que todos os filhos de amigos meus me adoram, e sempre que chego em alguma festinha infantil sou o alívio para muitos papais e mamães, que só vão se preocupar novamente com os rebentos na hora de ir embora, ou quando um deles cai e quebra o braço.

Tenho uma capacidade incrível de me comportar como uma criança – até mesmo como uma de colo! – em algumas situações. Quando pinta uma fofoca sobre o carinha que estou de rolo e uma amiga dele, chego a bater no “menos um”. E depois fico me sentindo péssima, envergonhada e recalcada. Não sei se alguém já se sentiu assim como eu, porque o fato é que além de virar criança, viro uma daquelas bem envergonhadas, que não contam pra ninguém o que fizeram de errado. Quando não há provas, não há crime!

Queria saber porque sou assim. Talvez esta seja uma habilidade especial de todas as mulheres que, quando têm seus filhos, têm de regredir um pouco para serem capazes de entender o que a criança está querendo ou dizendo. Mas porque cargas d´água não podemos regredir a um estado infantil apenas nas situações convenientes? Porque temos de agir como crianças quando não precisamos, ou pior, quando isto deveria nos ser proibido?

Às vezes chego a concordar com um amigo meu, que diz que a única psicologia que deveria existir é a comportamental. Aquele tipo de técnica que usam com os animais de circo. O adestrador pede a pata, o animal leva um choque e tem de levantá-la. Depois de um tempo ele não leva mais o choque, mas aprende – de alguma forma estúpida – que todas as vezes que sua pata for pedida ele deverá erguê-la, ou a alternativa é o choque.

Eu não gostaria de viver por aí, tomando choque, todas as vezes que a minha idade mental regredisse uns aninhos. Mas deveria ter um dispositivo de segurança indolor, apenas como um alerta. Quando eu estivesse próxima dos oito ou nove anos, sentiria uma coceira abaixo da terceira costela esquerda (teria de ser algo bem específico, para eu não poder me enganar). Alerta vermelho: primeira infância chegando, primeira infância chegando! Sim, porque até pra ser criança existe um limite. Eu me colocaria no meu lugar novamente, veria com clareza a realidade, e avaliaria muito bem as chances de estar embarcando numa furada.

Sim, porque depois de ter 5 anos, fica muito difícil voltar aos 26! Por mais acelerada que seja a tecla “forward”, preciso de umas boas horas para amadurecer 21 anos. Dá trabalho ser gente grande! Precisei interromper o trabalho que estava fazendo e escrever esse texto, até mesmo ver algumas fotos, pra me convencer de que tenho mesmo 26 anos.

Quero cooooooooolooooooooo!!!!
Janeiro de 2005

Rolo

Se você começa a sair com uma pessoa, descobre várias afinidades entre vocês, têm um papo legal, uma química interessante, começam a se falar sempre pelo telefone, a saber do passado um do outro, a citar os respectivos amigos pelo nome, e não genericamente como “um amigo meu”... inevitavelmente, em algum momento desta epopéia irá se perguntar: “será que estou namorando”? Talvez seus próprios amigos introduzam o tema namoro na história: “Ih, pronto, ela já ta de namorado novo!”, “Pronto, uma a menos no rol das solteiras!”...

É inacreditável a quantidade de conhecidas minhas que se encontram neste impasse. Não sabem definir precisamente o grau de envolvimento que vivenciam, incomodam-se com o fato de não haver nada definido, de não saberem quais são as regras do jogo que estão jogando – se saem, convidam o cara ou não? Se estão com vontade de ligar, mas foram as últimas a fazê-lo, ligam ou esperam o bofe se manifestar? Se têm saudades, falam ou guardam para si este sentimento? Enfim, estão ficando ou namorando?

Alguém mais descolado e moderno pode afirmar veementemente que rótulos não importam. Que o que importa é a relação, como você e o pretendente se tratam, como se sentem um na presença um do outro. Mas, pelo menos no meu entendimento, a diferença toda pode estar no detalhe do nome dado ao relacionamento. Eu explico.
Vamos supor que você esteja ficando com alguém. Vocês se falam ao telefone quando têm vontade, saem quando têm vontade... e quando não têm, não se telefonam, não dão satisfações das respectivas vidas. Você pode ficar chateada se de repente resolveu reservar a noite de sexta-feira para sair com ele e ele simplesmente não ligou. Mas não pode demonstrar isso, porque, afinal, que obrigação ele tinha de telefonar? Vocês não tem nenhum compromisso, são ficantes. E se você resolveu reservar um espaço na sua agenda para ele, o problema é seu, ninguém mandou.

Você também não deve se sentir no direito de se irritar se acaso suspeitar que ele sai com mais pessoas. Afinal, fidelidade não é uma das regras do ficar. Você pode ficar chateada se alguma amiga fizer a denúncia de que encontrou com ele numa balada, e que ele estava acompanhado. Mas nunca poderá ligar para o canalha soltando os cachorros, dizendo que você pode ser loira, mas não burra, e que ele não pode te fazer de otária. Porque ele pode, sim. Afinal, quem disse que ele teria que ficar só com você?


Muitas vezes penso que as coisas eram muito mais simples na época das nossas avós. Naquela época, se você saía com um cara mais de três vezes, se ele te beijava ao te deixar no portão da sua casa... você estava namorando. Porque se um dos envolvidos não estivesse a fim de envolvimento, não saía mais do que uma vez, nem chegavam a se beijar. Naquela época os costumes eram outros, a sexualidade não era um assunto tratado na mídia displicentemente como é hoje em dia. A mulher ainda tinha algo de sagrado, de profundamente respeitado, protegido e resguardado, e as casas de meretrício serviam justamente para que os homens pudessem dar vazão a impulsos que não poderiam encontrar objetos outros que senão mulheres que se prestassem exclusivamente a isso. Mas hoje em dia... A mídia até mesmo valoriza o despreendimento sexual, passando a imagem da “mulher de Nova”, que deve transar sempre que quiser, e que deve procurar um analista se não tiver orgasmos múltiplos a cada transa...

Nesta perspectiva, namorar pra quê? Assumir compromisso quando? Vivemos numa sociedade sem superego, onde tudo é permitido, nada é proibido, contanto que cada um assuma responsavelmente as conseqüências por seus atos. E o resultado disso é cada vez mais e mais pessoas perdidas, que sentem o que não podem sentir, que desejam o que não devem desejar, que fantasiam o que lhes é proibido fantasiar. O romance perde espaço, cedendo lugar à aventura... O que faz com que voltemos então ao nosso par de opostos, ficar – namorar...

Outro dia saí da terapia reanimada – ah, se todas as sessões fossem assim... Minha terapeuta escandalizou meu psiquismo ao afirmar que as coisas não são oito ou oitenta, céu e terra, bem e mal, ficar e namorar. Propôs uma terminologia interessantíssima, que me acalenta em todas as aflições. Propôs o rolo.

O rolo é um momento intermediário de envolvimento, entre o ficar e o namorar, no qual estão presentes algumas características de ambas as categorias. No rolo você pode conversar com o pretendente todas as noites antes de dormir, mesmo que saia para uma balada no momento seguinte em que desligar o telefone. No rolo você tem o direito – graças a Deus! – de dizer que tem saudades. O rolo nos autoriza a ficar P da vida se encontramos o cara com outra, a dar um puxão de orelha se ele ficou de ligar e não ligou. E tudo isso sem espremer a relação dentro de uma categoria comprometedora como o namoro!

No rolo as pessoas se conhecem, vão a fundo nas qualidades e nos defeitos um do outro, para então, tirarem suas conclusões se este é um relacionamento bacana, no qual vale à pena investir. Você pode até ficar com uma pessoa enquanto estiver de rolo com outra, mas provavelmente nem sentirá vontade, já que no rolo já existe uma espécie de envolvimento. No rolo você tem a oportunidade de se permitir decidir o que é melhor ou não para você. Ás vezes você percebe algumas características que, em um namoro, te deixariam de cabelo em pé. Em outras palavras, o rolo também serve para que, algumas vezes, você se livre de uma boa.

Depois de uma certa época, passa a ser um risco assumir um compromisso sério com uma pessoa sem avaliar corretamente as chances do relacionamento dar certo. Afinal de contas, é uma coisa namorar dois, três anos quando se tem dezoito, e perceber que não deu em nada, e outra completamente diferente passar tanto tempo ao lado de uma pessoa quando se tem vinte e cinco anos – se não der certo, começar do zero aos trinta? Com o tempo, você vai – ou pelo menos deveria – acumulando experiências, para não reincidir em erros cometidos anteriormente. E no rolo você vai delimitando este espaço, até contar com uma quantidade de informações suficiente para decidir se é melhor namorar – ou não.

E tudo isso por um preço módico: o de admitir que você está sozinha, que não tem um compromisso com outra pessoa, mas sim um compromisso assumido consigo mesma de descobrir o que te agrada ou não, o que te faz bem ou não, o que é para você ou não. De se permitir conhecer – mais do que o outro, a si mesma. Aproveite a chance: avalie. Veja se a outra pessoa é boa o suficiente para estar ao seu lado, observe-a em situações práticas do dia-a-dia. Dá gorjeta para o manobrista? Fala alto demais dentro do cinema? Olha para a derriére de qualquer sirigaita que cruza o seu caminho?

Fique de rolo agora, para não se enrolar mais tarde.
Março de 2005

Serenidade ou Desapego?

Sabem, ultimamente eu ando mais calma. Talvez seja a idade. Talvez seja a meditação. Ou talvez sejam os oito longos anos de terapia que, de uma hora para a outra, começou a fazer efeito. O fato é que, de repente, as coisas não costumam mais me afetar como afetavam antes.

Houve um tempo em que eu desejei ardentemente que isso me acontecesse. Eu costumava chamar esse ar “blasè” diante dos acontecimentos de “serenidade”. Manter a calma e a tolerância diante de qualquer situação. Até continuo achando que seja isso mesmo, serenidade... Mas ao mesmo tempo em que fico aliviada em perceber que eu não mais arranco fora todos os meus cabelos quando algo não acontece da forma que eu espero, às vezes tenho saudades do desespero.

Saudades do desespero? Que coisa mais irracional... Mas há algo de apaixonante em estar desesperada. Há algo de profundamente passional em acreditar que, caso as coisas não corram da forma esperada, você vai ter um ataque, pular pela janela, morrer de desgosto. Com o tempo você aprende que as coisas não dependem sempre de você ou da sua vontade. E que quando não dependem de você, se você fizer o melhor que pode e não adiantar, paciência é o único remédio.

Acho que o maior barato do desespero é você acreditar piamente que precisa de que algo externo aconteça para se sentir bem. Mas com as experiências você vai vendo que não pode depender de algo externo para ser feliz. Então, quando as coisas “de fora” não colaboram, você ainda conta com as coisas “de dentro” para segurar a barra.

E você aprende que nada é por acaso, e nem nada é definitivo. Por mais que seja absolutamente impossível pensar nisso quando você leva um fora de um carinha ou quando se dá mal no trabalho, em alguma parte do seu ser esta informação existe. Que você vai sofrer horrores, mas vai sobreviver.

Acho que ando sentindo falta de depositar os requisitos para ser feliz nas coisas “de fora”. Porque ter que contar com as “de dentro” é uma responsabilidade imensa. É uma responsabilidade imensa saber que depende de você ser feliz, que isso não é uma coisa que você possa negociar com uma outra pessoa, que possa comprar na esquina como se fosse um maço de cigarros, que possa implorar pra alguém como se fosse um chiclete, que possa esperar de alguém como se fosse um convite para jantar. Que ser feliz consigo mesma é, ao mesmo tempo, a tarefa mais fácil e mais difícil que existe na vida.

Claro que tudo isso não aconteceu de uma hora para a outra, como talvez eu possa querer aparentar, disfarçando as frustrações que eu tive na vida, camuflando meus erros e maquiando falsos acertos que eu possa ter cometido. É muito sofrido este processo, de se tornar uma pessoa serena. E algumas vezes chego a confundir essa tal serenidade com falta de crença de que as coisas possam ser boas. Como se fosse aquele calo que se forma no pé quando se joga capoeira há algum tempo. Na verdade está sendo lesado... Mas de tanto doer no mesmo ponto, a região endureceu e ficou insensível.

Será que a serenidade na verdade é um sinônimo para desesperança? Nada mais te surpreende, nada mais te abala, nada mais te desespera. Não importa quanta dor esteja presente, você vai continuar a ser você, vai continuar a tocar a sua vida, vai continuar saindo para jantar com suas amigas, vai continuar viajando para a praia nos finais de semana.

Você vai continuar a dar o melhor de si... E o que tiver que ser, será.

Fevereiro de 2005


Sexto Sentido

Estava saindo com um carinha. Ele parecia ser uma pessoa muito legal, um homem bem diferente dos que andavam frequentando a lista de chamadas recebidas e feitas do meu celular. Tudo parecia estar indo às mil maravilhas, quando de repente, um dia, transamos. Quer dizer, não tão de repente assim, pois estávamos há dias nos amassando dentro do meu carro sempre que eu ia deixá-lo em casa. A transa foi boa... Não acho que a primeira vez com alguém seja uma ocasião orgástica, pois sexo bom, para mim, está intimamente relacionado com intimidade... Mas acredito que a primeira vez com alguém seja uma boa oportunidade para medir o potencial de sucesso – leia-se de orgasmos múltiplos – da relação.

No dia seguinte ele teve a atitude correta, deixou uma mensagem no meu celular. No outro dia telefonei para uma amiga em comum, que namora com um colega dele do escritório, e ela estava com ele, conhecendo o apartamento recém alugado no qual o seu namorado e o meu gatinho iriam morar juntos. Depois de papearmos um tempinho, desliguei o telefone pedindo que ela lhe mandasse um beijo. Mas liguei novamente em seguida, e pedi para falar com ele, dizendo-lhe que havia mandado um beijo pela minha amiga, mas que havia ficado com vontade de mandar-lhe o beijo pessoalmente. Ele foi simpático e atencioso, contando dos detalhes do apartamento, que este ficava no décimo sexto andar do prédio e que ele morria de medo de altura... Mas no momento em que desliguei o telefone, passei a me sentir estranha.

No fundo, no fundo, eu esperava que ele tivesse sido um pouco mais “pessoal” – o que significava um convite para sair ou ao menos um “vamos fazer algo esta semana”. E não uma descrição detalhada do apartamento, de como ele teve azar em ficar com o único quarto que não dispunha de armários, ou do medo que ele sentia ao olhar pela janela do apartamento. Comecei a me sentir insegura: será que agora, que a barreira final do conhecimento – o sexo – havia sido transposta, o interesse de estar comigo se manteria? Questões estas que se intensificaram no dia seguinte, enquanto conversava com o namorado da minha amiga pelo messenger, e ele me dizia que já dormiria no apartamento novo no feriado que se aproximava, pois o meu – “meu”? – gatinho e o outro colega de apartamento viajariam. A notícia me veio como um murro no nariz: ele viajaria? E eu, pensando em deixar de viajar para ajudá-lo na mudança?

A sensação de fracasso que me acometeu logo em seguida foi algo simplesmente aterrador. Algo me dizia que a história tinha ido para o brejo. Ele não me procuraria mais, eu não teria a chance de verificar se a trepada dele era realmente boa ou se havia sido simplesmente “sorte de principiante”, eu não dormiria ou acordaria ao lado dele como havia imaginado, eu não viajaria com ele nem sequer uma vez para a praia e nem para sua cidade natal, eu não me casaria com ele e nem teria filhos que herdassem seu sobrenome – muito bonito, por sinal. Tudo isso por causa de um comentário do namorado da minha amiga: que ele talvez viajasse no feriado. Fiquei me sentindo uma neurótica maluca, ao ponto de cogitar telefonar para minha terapeuta e tentar uma “sessão emergencial” antes do final da semana.

Este “algo me dizia”, que me dizia o que eu não queria ouvir, já havia entrado em ação e me dito outras coisas antes. Que eu seria sacaneada por uma amiga, que meu ex-namorado arrumaria uma atual novinha em folha dentro em breve, que uma ou outra historinha de amor não iria pra frente. E eu comecei a me perguntar: seria este o sexto sentido feminino? Eu realmente estaria tendo pressentimentos do que ia me acontecer – ou do que não iria? Seriam essas sensações realmente pressentimentos, o que faria de mim uma médium perdida na cidade grande, sub-utilizando minhas capacidades de previsão do futuro e desperdiçando-as em romances sem chance nenhuma de dar certo? Ou seriam esses pressentimentos representações de meus medos inconscientes – talvez pré-conscientes – de ser largada depois de ter feito sexo com uma nova conquista? Pior do que isso... Será que desde o princípio eu sabia que o romance não tinha futuro, mas que pelo meu desespero de finalmente encontrar um homem que me amasse, havia intencionalmente colocado uma venda na frente dos meus olhos, tentando “tapar o sol com a peneira” e ignorar a óbvia conclusão de que eu, cujo maior sonho era saltar de pára-quedas, nunca daria certo com um homem que afastava a cama da janela por um medo babaca e infantil de altura?

Quando eu trabalhava em um hospital, tinha uma amiga nutricionista. Ela, uma meiga e simpática garota de 22 anos, solícita e delicada, era completamente apaixonada pelo médico-residente chefe do serviço, um homem de 26 anos. Mulherengo, extrovertido e narcisista em excesso, paquerava e bolinava todas as outras mulheres da equipe, enquanto minha amiga esforçava-se para nele continuar enxergando o genro que sua mãe havia pedido a Deus.
Quando por ele foi rejeitada e trocada por uma enfermeira de 37 anos, ficou horrorizada ao se dar conta de que ele nunca fora o príncipe encantado no jaleco branco que ela sempre havia, nele, enxergado. Até que ponto nós, quando desejamos nos convencer de algo, conseguimos nos enganar e mudar a realidade a nosso favor, como se fôssemos psicóticos entorpecidos, que usam o delírio como um mecanismo de defesa na incapacidade de entrar em contato com a frustração advinda do meio?

Tentando, a todo custo, chegar à uma conclusão quanto a estas questões que me atormentavam, repassei mentalmente todos os encontros que eu havia tido com o meu ex-futuro-se-tudo-desse-certo-marido. Ele tinha uma profunda dificuldade em demonstrar carinho em público. Um dia fomos jantar com uns amigos seus do escritório, um casal que namorava há pouco mais de um ano. Lembro-me de como me senti, como se eu também fosse uma “colega” de serviço, tentando acompanhar o diálogo “advogadêz” que se desenrolava à minha frente, sem que ele nem ao menos pegasse na minha mão ou se esforçasse em traduzir-me o que estava sendo dito. Tímido em excesso, havia feito com que eu me sentisse extremamente tensa na ocasião em que conheceu meus amigos, pela sua absoluta incapacidade de se entrosar e manter uma conversa de dois minutos se eu, acaso, não estivesse por perto, facilitando o diálogo. Tinha opiniões contrárias às minhas em assuntos um tanto quanto conturbados como aborto, drogas e assassinatos decorrentes de abuso sexual. Tinha gostos absolutamente divergentes dos meus: enquanto eu adorava ir à praia pegar onda, jogar frescobol e tomar sol, ele preferia sentar-se confortavelmente em uma cadeira debaixo do guarda-sol e deliciar-se com loiras geladas – não eu saída do mar, mas as cervejas que, de quebra, davam um up grade em sua barriguinha. E por fim... o sexo. Encarei de frente o fato de que eu adoro ser mordida e ter os cabelos puxados durante o ato sexual. E ele... digamos que não era adepto do estilo “no pain, no pleasure”. E admitamos que ele não era, assim, tão bem dotado.

Me escandalizei diante do fato de que eu e ele nada tínhamos em comum. Mais uma vez, o que me ligava a ele era minha carência excessiva, meu desejo de encontrar um homem bom, inteligente e dedicado que me amasse e cuidasse de mim. E nada mais. Mais uma vez eu estava, por mera falta de opção, transformando um sapinho – bonitinho e bem cheiroso, era verdade – em um príncipe encantado que me salvaria de mim mesma e me daria um sentido e um objetivo na vida.

E meu sexto sentido... Nada mais era do que a concretização de minhas certezas inconscientes (de que não daríamos certo pela absoluta falta de identificação), com uma pitada de masoquismo (ser abandonada para não abandonar), misturada com fantasias referentes ao meu potencial sexual (sou mesmo boa de cama?)... Levados ao fogo brando (o sexo que tivemos) por vinte minutos (míseros vinte minutos!).

Mudei o foco do meu pensamento, voltei a me concentrar em minha viagem para a Austrália e prometi a mim mesma, que saltarei do maior bungee-jump do mundo, localizado em uma plataforma a 120 metros do chão, na Nova Zelândia. Bah, que medo de altura, que nada!!!
Maio de 2005

Virtude ou Delírio?

Outro dia estava almoçando com uma de minhas melhores amigas. Eu contava mais uma de minhas desventuras da vida de solteira quando, ao final de minha epopéia, ela começou a me falar de esperança. Segundo ela, o problema não havia sido nada relacionado ao fato de que eu era muito falante enquanto ele era praticamente uma múmia, mas sim que eu ainda não tinha encontrado meu príncipe encantado, a tampa de minha panela, minha metade da laranja, minha alma gêmea. Me espantei com sua veemência no que dizia, e em como acreditava piamente no que falava. Seus olhos brilhavam ao discorrer sobre o tempo certo das coisas acontecerem, e eu tive a impressão de verificar certa insanidade no brilho deste olhar.

Saí do almoço me sentindo muito estranha e realmente assustada. A certeza com que minha amiga falara sobre a esperança e o otimismo era quase tão absoluta quanto a confiança que os esquizofrênicos paranóicos têm em seus delírios, de que estão sendo perseguidos por Extra-terrestres, que implantaram chips em seus cérebros enquanto dormiam. Mais do que isso, ela parecia uma verdadeira viciada em drogas, ansiando por mais uma carreira de cocaína para aliviá-la da dor e do sofrimento.

Tais percepções me deixaram pensando o dia inteiro na questão da esperança. Nos dias atuais, em que o pessimismo e a falta de crença imperam sobre todos nós, seria a esperança uma virtude? Ou, pelo contrário, seria o ato de se apegar à ela e à crença de que tudo-sempre-acaba-bem-no-final-e-se-não-está-bem-é-porque-ainda-não-acabou uma tentativa de fuga da realidade, a noção de esperança funcionando tal como uma droga que nos inebria a consciência da dor de não termos sido bem sucedidos em algo que desejávamos muito?

Comecei a me lembrar de todas as vezes em que não havia me dado bem em um relacionamento que era de meu interesse. Todas as vezes eu justificava para mim mesma que as coisas não tinham dado certo porque não eram para dar, que o homem em questão não era, de fato, para mim e que um dia tudo daria certo, eu conheceria o homem da minha vida, me casaria e com ele teria um belo casal de filhos. Mas foi somente quando vi minha amiga afirmar com toda a certeza do mundo que eu não deveria perder as esperanças e o otimismo que parei para pensar no quanto esta atitude representava, por outro lado, uma “muleta emocional”.

Ora, se a cada vez que as coisas não dão certo nos apegamos à esperança de que um dia elas darão, não estamos perdendo chances valiosas de nos questionarmos sobre os rumos que damos à nossas vidas? Se somos rejeitados por alguém que desejávamos muito e simplesmente não ligamos, amparados pela crença que de tudo-sempre-acaba-bem-no-final, não estamos deixando de entrar em contato com a dor e o sofrimento e, conseqüentemente, desperdiçando a oportunidade de aprendermos com nossos erros? O quanto a confiança de que um dia tudo dará certo, de que um dia seremos felizes não representa, por outro lado, nossa própria insegurança acerca de nós mesmos? Ao invés de nos questionarmos, nos avaliarmos e encontrarmos, talvez, em nossos próprios comportamentos e atitudes as verdadeiras causas de um romance não ter vingado, calamos todas estas indagações com a premissa básica de que “a esperança é a última que morre”. Esperança: virtude ou fuga da realidade?

Essa minha amiga alucinada que provocou em mim todos esses questionamentos é uma legítima representante da espécie “casamenteira”. Está noiva de anel e tudo, apesar do casamento estar marcado apenas para daqui há um ano e meio. Nunca conseguiu imaginar-se feliz se fracassasse no projeto “casar-se e ter filhos”. Fez faculdade mas nunca chegou a trabalhar. Chego até a me questionar o quanto sua intenção de estudar direito não foi motivada pelo número de homens que fazem o curso. E lá está ela, ostentando um brilhante solitário no dedo anular esquerdo. Ela, enfim, vai se casar.

Mas mais do que se casar, ela quer que todas as suas amigas se casem. Seu maior passa-tempo é formar casais imaginários entre amigos seus. Não duvido nada que tenha até um caderninho dourado, onde anota todos os nomes de seus amigos e amigas solteiras, imaginando criativas análises combinatórias entre eles. Nunca foi bem sucedida, mas a sua esperança sim, esta, é a última que morre. Outro dia me telefonou me convidando para jantar com ela, o noivo, e um amigo dele, “recém-divorciado, bem sucedido e resolvido”. Depois de me torturar por alguns minutos, dizendo o quanto eu poderia estar impedindo que o “destino” agisse caso recusasse o convite, desliguei o telefone irritada e convicta de que não era o destino que eu estava impedindo de agir, e sim a ela mesma. Pela sua própria insegurança quanto a ser feliz independentemente de que um casamento ocorresse, não conseguia olhar para as amigas solteiras e felizes, que buscavam a própria realização em atividades outras que não significassem proferir o famoso “sim” de joelhos diante de um altar.

Acho que nesta vida, tudo pode ser representado por um copo de água cheio até a metade. Dependendo de quem observa, o copo pode tanto estar “meio cheio” quanto “meio vazio”. Fatos são fatos, o que muda é a interpretação dos fatos. E enquanto a esperança e o otimismo forem realmente características positivas, que nos impulsionam para a frente e para o ânimo de continuar buscando nossa própria felicidade, caberão à mim.

Mas eu não paro de me questionar não. Pode ser que não tenha dado certo porque não tinha mesmo que dar. Mas por via das dúvidas, em meu próximo relacionamento, vou falar menos.
Março de 2005

Quem vê beijo vê algo mais?

Eu conheço um cara muito legal. Divertido, dono de um ótimo senso de humor, generoso, inteligente, uma pessoa realmente agradabilíssima. Já tinha saído com algumas amigas minhas e agora, aparentemente, era a minha vez. Sempre que nos encontrávamos ele se mostrava interessadíssimo no que eu falava. Me mandava mensagens de texto, perguntando como havia sido meu dia. Até que, um dia, em uma festa, nos beijamos. Eu estava excitadíssima naqueles segundos que precederam o beijo. Um cara aparentemente legal, interessante, cheiroso e gostoso... Se aproximando, se aproximando...

Foi com imenso pesar que constatei que ele beijava incrivelmente mal. A língua, dura e áspera, fazia movimentos de zigue-zague dentro da minha boca, entrava e saía... Como aqueles filmes antigos projetados quase que cena a cena, “pá-pá-pá”, sem uma continuidade, aquele “ueón-uéon-uéon”. Enfim: se eu fosse um homem e tivesse um pinto, ele teria amolecido naquele exato momento.

Lembrei-me imediatamente de outras situações em que tive a mesma – ingrata – surpresa. Algumas vezes cheguei a insistir em outras tentativas, mas não conseguia “ensinar” como é que se deveria fazer. Todas as vezes, a história acabava do mesmo jeito: o beijo sempre se transformando em uma corrida de bate-bate. E se acaso a coisa chegasse a se desenvolver sob os lençóis, piorava: o bate-estaca era tamanho que eu gemia de desgosto, rezando para que aquele sofrimento acabasse logo.

Conversando com minhas amigas sobre esta questão, uma idéia me ocorreu. Seria o beijo algo aprendido? Seria possível que alguém “desaprendesse” a beijar mal e aprendesse a arte do “bem beijar”? Ou estariam, os movimentos necessários para um beijo escandalizante, submetidos à possibilidades musculares determinadas pela carga genética de cada um?

Lembro-me de uma aula que tive no cursinho, na qual fiquei sabendo que determinado movimento feito com a língua – algo como torcê-la dentro da boca e colocá-la em uma posição na diagonal – era uma coisa que somente algumas pessoas conseguiam fazer, já que esta possibilidade dependia da existência de determinado gene nos cromossomos da pessoa. Assim, talvez um beijo bom – determinado pelos movimentos sincronizados e sintônicos de lábios e língua – também poderia ser genético.

Não pude deixar de pensar como isso seria injusto! Maus beijadores nunca o deixariam de ser, mas existiria uma possibilidade que seus filhos fossem bons beijadores, caso esse gene fosse recessivo e o mau beijador tivesse filhos com uma pessoa que beijasse bem. Mas será que uma pessoa que beija bem se contentaria em casar e ter filhos com uma que beijasse mal? Até que ponto beijar bem ou mal é importante para o estabelecimento de uma relação entre duas pessoas? Eu nunca conseguiria namorar com uma pessoa com o tipo de beijo que descrevi no início. Alguém conseguiria? Mais do que isso: será que o tipo de beijo não é uma forma de seleção natural? Se o beijo diz algo referente à carga genética de cada um, beijar bem ou mal poderia dizer muito sobre a compatibilidade entre duas pessoas – e compatibilidade genética, atentem!

Meu pai é um grande fã da psicologia evolutiva. Nesta área da psicologia, conceitos pregam que existem determinados comportamentos que decorrem de necessidades inerentes aos mecanismos de evolução e preservação da espécie humana sobre a Terra. Como se, passados milhares e milhares de anos, nossos cérebros e mecanismos “instintuais” continuassem funcionando como se ainda fôssemos homens das cavernas. Outro dia ele me mandou um artigo muito interessante, falando as razões pelas quais escolhemos homens de determinados tipos físicos. As escolhas sempre recaem em mecanismos inconscientes que visam a existência humana sobre a Terra: homens mais altos do que as mulheres são escolhidos por elas pois poderiam protegê-las, e à cria, melhor... E a paixão dos homens por mulheres “popozudas” seria justificada pelo simples fato de que mulheres de ancas largas seriam melhores parideiras. Seria o beijo algo denunciador de algum tipo de compatibilidade extremamente importante para a manutenção da vida humana sobre a Terra?

Talvez algum dia eu escreva uma tese de doutorado relatando minhas investigações sobre o assunto. Por ora, fica a convicção de que, se o beijo nada disser sobre a carga genética de cada um, certamente o faz sobre a personalidade dos beijadores. Em mais de uma ocasião já notei que pessoas que beijam mal são mais travadas e passivas diante da vida, enquanto as que beijam bem são mais desenvoltas e seguras de si. E viva o “uéon-uéon-uéon”!!!
Abril de 2005

Perguntas sem Respostas

Então a coisa acontece da seguinte forma. Você está saindo com um cara legal, que te liga sempre, que gosta de coisas das quais você também gosta, que tem uns amigos legais, com os quais você se dá bem, que tem projetos de vida mais ou menos parecidos com os seus e com o qual você se deu bem na cama. Nos últimos tempos ele até anda te chamando de “meu amor”; em suma, um cara que parece gostar de você, que parece se importar com os seus sentimentos e que parece contar com disponibilidade interna para se envolver e, de fato, construir um relacionamento.

E de repente, não mais do que de repente, ele desaparece. Fala que vai ligar e não liga. Você, obviamente, fica esperando o telefone tocar com o coração na mão, mas ele não toca. Quando chega em casa ouve ansiosa os recados da secretária eletrônica, mas nenhum é dele. Até se envergonha da esperança que tem de ele aparecer de repente na sua casa, ou de passar pela portaria e ser surpreendida pelo porteiro com um arranjo de flores deixado por ele. Mas nada disso acontece. E então, se tiver um único traço de insegurança apenas – e quem não tem? – começa a se perguntar: “O que eu fiz de errado? Onde foi que eu errei?”.

Começa então a relembrar cada detalhe do último encontro, as coisas que você disse, as brincadeiras que fez, as frases soltas e aparentemente sem significado que disse ao pretendente. Mas nada disso responde às suas perguntas. Começa a se lembrar de cada frase que ele disse, alguma pista que possa explicar o motivo de ele ter desaparecido. No auge do desespero, talvez ligue surtada para uma amiga e transfira para ela a responsabilidade de esclarecer o mistério. Talvez até peça para ela ligar no celular dele, um número que apareça na bina dele e que ele não conheça, só para ver se ele está vivo e não te ligou por ter sofrido um acidente grave, talvez até tenha morrido. E se ela ligar, e ele não tiver morrido, nem sofrido nenhum acidente que o tenha paralisado do pescoço para baixo – afinal, a única desculpa aceitável para ele não ter colocado os dedinhos para funcionar e ter discado o seu número – aí sim é que as dúvidas a atormentarão durante muito tempo.

A menos que você passe por cima de seu orgulho, de seu ego ferido, e ligue para o desgraçado e pergunte o porque de ele ter desaparecido, a pergunta continuará sem resposta. Mas não vai deixar de existir. Dia após dia você vai se lembrar de como acreditou que desta vez seria diferente, de que você prometeu a si mesma que desta vez faria tudo certinho, que não se atropelaria e que não colocaria o carro na frente dos bois. Que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para jogar o jogo corretamente e ganhar o cara.

Conforme-se com a dura realidade: nem sempre você pode tudo. Na verdade, tanto as promessas de que desta vez seria diferente e que faria tudo certo, quanto o inconformismo diante do fato de não saber o que aconteceu para o homem dos seus sonhos sumir são diferentes manifestações de mesmo conteúdo: a ilusão de que podemos controlar as situações, de que tudo está à nosso alcance, de que, se nos concentrarmos e nos esforçarmos e nos dedicarmos conseguiremos tudo, fazer quem bem entendemos se apaixonar por nós.

Mas as coisas não são assim. Aceitar as próprias limitações, que nem sempre as coisas saem do jeito que queremos, que não é só porque decidimos que desta vez vai ser diferente que de fato assim o será é um indício importante e significativo de maturidade. Talvez você não tenha feito nada de errado, talvez o cara tenha sumido por motivos que dizem respeito apenas a ele próprio, e não à você – e quem disse que você é o centro do universo?

Continuar com esses questionamentos – o que fiz de errado, porque será que ele sumiu, porque será que minha melhor amiga me traiu, porque será que não consegui tal vaga de emprego? – só serve para que você se magoe ainda mais, só serve para cronificar uma dor que pode ser aguda e passar logo, se você for capaz de perceber que nem sempre você tem o controle de tudo nas suas mãos. Às vezes as pessoas somem porque somem, traem porque traem, não te dão o emprego porque não dão, e talvez nada disso tenha a ver com uma atitude sua.

Algumas perguntas sempre vão ficar sem resposta, e às vezes é melhor que assim fiquem. Aceitar que nem sempre temos respostas para tudo é imprescindível para crescer mos e nos tornarmos pessoas melhores. Porque os Flintstones comemoram o Natal se existiram em uma época anterior à Jesus Cristo? Porque o Cebolinha e o Cascão chamam a Mônica de baixinha se têm a mesma altura que ela? Porque o filme Missão Impossível tem esse nome, se até hoje – e nas duas seqüências – teve um final feliz?

Responda a essas se for capaz.
Março de 2005

Paixonite

Outro dia estava na academia, e entre uma série e outra de detestáveis exercícios, peguei-me ouvindo o papo de duas meninas, que se matavam em outro aparelho de musculação. Meus ouvidos apurados de psicóloga e minha atenção flutuante permitiram com que eu prestasse atenção nas duas coisas ao mesmo tempo; em meus esforços físicos e no esforço mental que uma das meninas fazia para explicar a outra o que estava sentindo por um paquera.

A menina dizia que não conseguia pensar em outra coisa; tudo a fazia lembrar do pretendente. Uma música, um clipe musical, um perfume, um carro. Contava ela, às gargalhadas, que comprara uma revista de esportes só para ficar por dentro do que acontecia ao time de futebol do cara. Havia comprado até uma blusinha nova, porque no dia seguinte talvez encontrasse o rapaz na faculdade e talvez ele reparasse seu bom gosto ao vestir-se. Ficava imaginando se os sobrenomes, seu e do menino, combinavam juntos no nome que ela já havia escolhido para o filho de ambos. A outra menina ria. Dizia que ela estava apaixonada, ao que a outra discordava. Estava com paixonite.

Quase explodi em risadas ao pensar no significado deste novo e intrigante termo. Todo pós-fixo “ite” imprime à palavra um sentido de doença. E tive de concordar que estes estados amalucados, quando nos mega empolgamos com um romance novo, têm lá mesmo um algo de doentio. É quase como se fosse uma infecção. Somos infectadas pela idéia fixa que atende pelo nome do pretendente. Nada nos faz parar de pensar nele. Nos envergonhamos quando nos damos conta de que parecemos adolescentes encantadas com o primeiro amor.

Lembro-me de quando tive minha primeira paixonite. Eu tinha 12 anos e era completamente maluca por um menininho da praia, amigo de uns moleques da minha rua. Ele era lindo. Tinha a bicicleta mais moderna e possante de todas. Adorava Heavy Metal e tinha umas camisetas lindas do Metallica. E eu não conseguia parar de pensar nele. Imaginava nós dois andando de bicicleta pela calçada da praia, tomando um sorvete; ficava imaginando como seria nosso primeiro beijo – eu nunca tinha beijado na boca antes. Imaginava até como ele se sentiria orgulhoso de mim quando eu ganhasse dele no vídeo game. Ai ai, a primeira paixonite a gente nunca esquece.

Para efeitos de curiosidade, nunca beijei o dito-cujo na boca. Beijei um outro menino antes, só para saber como é que se fazia, mas tive o azar de ter sido flagrada pela minha paixonite em plena beijocação no quebra-mar Nos tornamos grandes amigos, o que somos até hoje. Mas nunca vou me esquecer daquela sensação... De toda aquela atividade imaginativa.

Acho que quando viramos gente grande, deixamos um pouco de lado a imaginação. Somos guiados muito mais pelo real e pelo concreto; é incrível como acontece freqüentemente de pacientes minhas me contarem, envergonhadérrimas, seus devaneios paixoníticos. Uma me dizia outro dia que sua paixonite era um gato, que tinha o nariz um pouco adunco, era verdade, mas que nos filhos a sua própria genética nasal contrabalancearia a dele. Estacou de repente, parecendo dar-se conta do que havia dito. Ficou roxa. Não pude deixar de colocar minha neutralidade de canto para rir junto com ela.

Porque não nos permitir devanear de vez em quando? Somos adultos, claro, e sabemos que imaginar é uma coisa, e idealizar é outra. Qual é o problema de, no meio de uma tarde aborrecida de trabalho, escrever como quem não quer nada, em um pedaço de papel, o seu nome com o sobrenome do paquera? Qual é a grande questão de imaginar, enquanto se mata na esteira da academia, como seria a lua de mel de vocês? Quem é que nos proíbe de, vez ou outra, imaginar a fisionomia que teriam os pimpolhos, frutos do casamento de vocês?

Se tiver a oportunidade, observe uma criança pequena brincando. A atividade imaginativa e criadora de uma criança é algo fascinante. Se tiver a chance, experimente brincar com ela. Solte sua imaginação, lembre-se de quando você era pequeno e passava horas brincando de Barbie, ou de Comandos em Ação, se for homem. Libere seus pensamentos, perca-se na sua imaginação. É algo fantástico, que de certa forma faz com que você se sinta mais leve, mais sereno.

A vida já é muito séria e severa. Permitamos- nos ter nossas paixonites de vez em quando. Não nos reprimamos. Não havia repressão nas brincadeiras com bonecas, tudo era permitido. Liberte-se de seu racional e construa imagens agradáveis em sua cabeça.

Seja criança novamente, brinque com a vida real, na qual a boneca é você. Levar a vida tão à sério desgasta, pira e cansa. Brinque de imaginar seus desejos se realizando. Não é proibido, não se paga taxa e nem imposto nenhum e faz um bem danado à saúde.
Março de 2005

Alta

Todos os que convivem minimamente comigo sabem da importãncia crucial que a análise sempre teve na minha vida. E lá se vão 9 anos, comparecendo semanalmente às minha sessões de terapia, em um consultório fofo na arborizada Vila Madalena. Fofo mesmo. O consultório é todo decoradinho, fresco e iluminado. Plantas e flores por todos os lados. O chazinho de erva-cidreira que a Mira, a faxineira, sempre deixa á minha espera. Eu costumo chegar sempre alguns minutinhos antes do horário, para fumar um cigarro tranquilamente sentada no banco do lado de fora, cinzeiro no colo, pensamentos a desfilar pela minha mente, brigando entre si pelo posto do primeiro a ser verbalizado naquele dia.

Nem sempre a análise é um mar de rosas. Muito pelo contrário, consigo puxar da memória sessões terríveis, em que me deparei com meu lado mais sombrio e doente. Não ouso entrar no amago da questão de porque é que comecei, afinal, a fazer análise, mas afirmo do alto de minhas tamancas que naquela sala, sentada naquela poltrona marrom de couro, vivi os piores momentos da minha vida. Mas também os melhores. Momentos nos quais eu realmente tomava contato comigo mesma, momentos em que eu saía me sentindo revigorada e reencorajada para o mais difícil do viver: aprender.

E como aprendi sobre mim mesma!!! Aprendi a ser imperfeita, aprendi a conviver com os meus fantasmas, aprendi a aceitar, muitas vezes, o inaceitável. Aprendi que, por mais que eu tenha errado na minha vida, todos os meus erros foram decorrentes de tentativas de acertar e, assim, aprendi a me perdoar. A perdoar a mim mesma e aos outros, que em sua imperfeição, também sempre tentam acertar.

Tem vezes, na terapia, que você sente que está estagnado. Que já faz um tempão que você deu seu último importante passo, que poderia caminhar mais mas que está estacionado. Eu tive esses meus momentos, mas sempre com a certeza e a confiança de que este momento, como tantos outros, também passaria, e que mais cedo ou mais tarde, eu retomaria meu caminho rumo a mim mesma. Nestes momentos eu sempre pensava em como seria parar de fazer análise. E eu sempre me desesperava diante desta possibilidade; não, eu continuaria em terapia para sempre, até um dia em que eu me tornaria perfeita e, aí sim, receberia alta.

Quando eu recebesse alta, eu seria uma pessoa serena, calma, controlada e tranquila. Não me desesperaria diante de besteiras; não estranharia mais meus pensamentos, pois eu me conheceria tanto que nada em mim seria digno de surpresa; não teria mais inveja ou qualquer outro tipo de sentimento negativo pelas pessoas; não teria mais medo de amar ou de me entregar ou de me doar; seria, como eu mesma o disse tantas vezes, uma panela com tampa. Me bastaria e não precisaria de mais ninguém para me sentir completa.

Pois duas semanas atrás, eu fui para a terapia. E comentei com a minha ilustríssima analista que eu sentia que talvez precisasse de um tempo sozinha, sem terapia e nem terapeuta, somente eu mesma e minhas possibilidades e capacidades pessoais. Eu disse isso realmente acreditando no que dizia, mas no fundo no fundo imaginava que ela iria me negar esta possibilidade; que iria me dizer que eu estava em um momento complicado da minha vida, e que este meu desejo de “dar um tempo” seria provavelmente oriundo de resistência. Que eu não tinha condições ainda de caminhar sozinha, e que inclusive ela vinha pensando seriamente em aumentar as minhas sessões para duas vezes por semana.

Mas ela concordou comigo. E me disse que achava que 9 anos era realmente muito tempo, que estava mais do que na hora de caminhar sozinha e que, neste tempo todo, realmente havíamos chegado ao cerne da questão e que, por hora, não havia mais o que ser trabalhado. Disse-me que pensava, talvez, que eu devesse pensar em um outro tipo de terapia. Talvez em procurar um analista homem, ou fazer terapia em grupo. Mas que até mesmo estas possibilidades eram para o futuro, e que ela achava que eu estava pronta para obter alta.

Até agora não sei o que senti naquele momento. Por um lado, alegria imensa. Alegria por estar sendo intitulada capaz de cuidar de mim mesma. Alegria por ouvir, do meu “sujeito suposto saber”, que eu estava apta a interromper o processo. Alegria por ter sido “aprovada” sã, oficialmente sã, documentadamente sã. Mas por outro lado, o medo também foi enorme. O medo pela responsabilidade enorme de ser capaz de me virar sozinha.

Mas o medo é menor do que a alegria. É estranho, realmente, sentir-me “normal”; eu nunca me senti assim. Antes da terapia eu era a doida que precisava fazer terapia, e durante o meu processo de análise eu era a doida que precisava continuar fazendo terapia. Agora sou a doida recuperada, que consegue se virar bem sem terapia. E lá vamos nós.

Engraçado é você ser a doida, este último tipo de doida, a recuperada, tendo plena consciência de que não é nem o ser mais calmo e nem o mais controlado do universo. Engraçado pensar que o máximo que poderia ter sido trabalhado o foi, e que nestes 9 longos anos eu caminhei para chegar exatamente onde estou agora. Apta a me virar sozinha. Mas apesar de ser tudo muito diferente do que eu imaginei para a minha “alta”, não posso dizer que esteja ruim. Muito pelo contrário, estou muito bem. Até as minhas nóias, coisa que eu sempre imaginei que fosse pensamento de gente doida, agora me parecem coisas de gente doida recuperada, e tenho me sentido mais normalzinha. Os desafios, que tanto me assustavam antes, agora me parecem ser desafios feitos sob medida para as minhas possibilidades e capacidades de doida recuperada. As frustrações, que antes tanto me agrediam, hoje me soam aos ouvidos como inevitabilidades da vida – afinal, imaginar que algum dia eu receberia alta me sentindo ainda tão imperfeita, seria algo extremamente frustrante.

Sei que ainda tenho muito o que caminhar. Sim, pois apesar de abrir mão da perfeição, não o abri de evoluir, de crescer, de me melhorar. A serenidade e a tranquilidade ainda são estados que almejo alcançar. Mas até para isso me sinto mais tranquila. Tranquila até pelo fato de que sei que a minha ilustríssima continuará lá caso eu tenha uma recaída e precise de uma lanterna em meio à escuridão.

Mas sabem... Meus olhos estão se habituando bem à esta pseudo-luminosidade...
Maio de 2005

Limpando o Caixa

Na grande maioria das vezes, após o término de um relacionamento, muitas pessoas ficam com a cada vez mais conhecida síndrome pós-trauma amoroso, que em leigos termos significa pavor a qualquer relacionamento mais duradouro. O problema é que justamente quando estamos em tal momento de vida, funcionamos como ímans para aqueles que estão no momento oposto, querendo se relacionar de forma séria e adulta com outra pessoa.

O que fazer? Ao término de um longo relacionamento, o mais comum é que as mazelas sofridas durante o envolvimento estejam absolutamente vívidas em nossa memória. Quantas vezes não nos pegamos falando do ex como namorado, ao invés de ex-namorado? Quantas vezes ainda nos sentimos imersos no turbilhão de sentimentos que acabou por culminar no término do relacionamento?

E é aí justamente que aparece aquele cara aparentemente perfeito, que nos trata como princesas, que fala aquilo que justamente gostaríamos de ouvir, que se preocupa com o fato de termos, ou não, tido um bom dia. E então surgem as dúvidas: será que já estou no momento de me envolver novamente com alguém? Será que já superei a fase das comparações – na qual ao primeiro indício de similaridade entre o pretendente e o ex queremos nos mudar de bairro, cidade, país?

Um amigo meu me disse a coisa mais sábia sobre relacionamentos – e ex-relacionamentos – que já ouvi na vida. Muito perspicazmente, me disse que ao terminar um relacionamento devemos sempre fechar o livro da história vivida. Usar as experiências aprendidas, sim, mas não fazer dos erros cometidos no passado – nossos, e da ex-pessoa – fatores que venham a interferir em relacionamentos futuros.

Temos a tendência de reatualizar sempre as mesmas questões em relacionamentos distintos. Porque, na verdade, estas questões dizem algo de nós mesmos na interação com uma outra pessoa, e não da própria pessoa em si. Isso significa que não é só porque o seu ex não era companheiro, não te passava segurança, que você tem que namorar com o primeiro que demonstre um pingo dessas características. Questione a sua capacidade de ser companheira de si mesma. Você não deve achar que só porque o pretendente atual e o ex são do mesmo signo que possuem a mesma personalidade. Questione com o que você se sente mais tentada a conviver. Ou então, que não é só porque a historinha atual apresenta uma série de estranhas coincidências – tipo você pensar no cara com quem saiu alguns meses atrás e de repente encontrá-lo numa balada nada a ver – que ele seja o homem da sua vida. Questione se, na verdade, você não acreditou na historinha do príncipe encantado no cavalo branco, esperando encontrá-lo um dia na vida real. Pois não existem príncipes encantados.

Quando saímos de um longo relacionamento, temos a tendência de não nos permitirmos conhecer de fato a outra pessoa. Não é porque o cara não tem os mesmos defeitos que o anterior que já vale à pena investir suas preciosas energias nele; não é só porque tem um defeito que você nunca conceberia no seu homem ideal que não serve para você. A liberdade pode ser maravilhosamente fascinante num primeiro momento, mas se não tiver definitivamente fechado o livro anterior e aberto um novinho para ser preenchido a partir de agora, provavelmente vai acabar caindo em uma armadilha armada por você mesma.

Pois se não aguardamos o tempo preciso para limpar o caixa, para superar de fato a frustração do relacionamento anterior não ter dado certo, corremos um sério risco de nos apegarmos a pessoas idealizadas, as quais nem conhecemos tão bem para considerarmos tão perfeitas. Uma série de expectativas que foram abandonadas em relação ao ex serão reativadas. Ou talvez comecemos a exigir que o atual se comporte como o ex nas situações nas quais gostávamos da forma-conduta do anterior.

Não devemos fazer do atual um tapa-buraco da relação anterior. Querendo ou não, há pouco tempo sozinha você ainda carrega consigo bagagens desta relação. Que podem contaminar a relação atual – se bobear, logo no início – com expectativas indevidas, idéias infundadas e cobranças descabidas. Devemos ser cautelosos sim, mas sempre dispostos e receptivos a, de fato, conhecer a outra pessoa. Suas qualidades, seus defeitos, sua riqueza e sua fraqueza. E isso ocorre lentamente, com o passar do tempo. Pois somente assim poderemos checar se aquilo que temos em mente sobre ela confere ou não com a realidade.

Ninguém sabe se há um final feliz para todos nesta vida; mas se ao final de tudo você for capaz de olhar-se no espelho e enxergar apenas a sua imagem refletida, já está bom demais.
Novembro de 2005

Amélias Modernas

Nós somos Amélias Modernas. O que não significa que sejamos totalmente Amélias, e nem completamente Modernas. As Amélias Modernas representam uma importante parcela da população feminina atual, que vive um momento interessante de reinvenção e de auto-aceitação.

Somos Amélias quando gostamos que nos abram a porta do carro, e Modernas quando dispomos de nossos próprios carros para fazermos o que quisermos. Somos Modernas quando saímos entre amigas, e gastamos uma fortuna em um restaurante descolado, mas Amélias quando queremos que eles se ofereçam para pagar a conta.

A Moderna que há em nós ousa na hora de se vestir, mas é a Amélia que ouve os elogios. Já a Amélia olha de soslaio, com ar de quem não quer nada, para o homem lindo do outro lado do bar; mas quando ele se aproxima e puxa papo, é a Moderna que resolve pedir o telefone dele, ao invés de dar o seu.

Dizem que Amélia não tinha a menor vaidade, apesar de ser a mulher de verdade. Nós somos vaidosas ao extremo. Não pensamos duas vezes na hora em que uma cirurgia plástica parece ser a melhor opção para que nos sintamos cada vez mais bonitas. Mas ao invés de nos arrumarmos e malharmos e nos cuidarmos para os outros, fazemos tudo isso para nós mesmas. Para que nos sintamos cada vez mais bonitas, cada vez mais felizes.

A Amélia que há em nós nasceu no século 20, e é a Moderna que está se tornando mulher de verdade em pleno século 21. E são tão contraditórias entre si que às vezes temos algum trabalho em conciliá-las; o conceito de Amélias Modernas ainda não é muito bem compreendido pela nossa sociedade, que vive um momento de transição entre a repressão Ameliana e a libertinagem Moderna.

Muitas mulheres ainda se mascaram, escondem-se atrás de rótulos bem comportados. Mas quando a noite cai e todas as gatas são pardas, revelam a Pantera que existe dentro de si, requebrando sensualmente em anônimas pistas de dança, ou fazem apelativos e stripteases, protegidas pelas web cams. E lá estão elas, na manhã seguinte, dentro de seus terninhos engomados e muito bem passados. Os bolsos cheios de embalagens vazias de preservativos; a cabeça, confusa e envergonhada pela noite passada.

Raras são aquelas que assumem-se verdadeiras Panteras. Raras são aquelas que não se escondem dos olhares alheios seu próprio olhar, faminto, cheio de desejo. A grande maioria prefere manter o discurso de sobriedade e tradicionalismo, ainda que saiba que é apenas isso: um discurso rebuscado, mas pobre em conteúdo.

Ser uma Amélia Moderna pode se transformar am algo assustador, principalmente aos olhares masculinos. Os homens parecem estar mais perdidos do que nunca, diante destas mulheres que não parecem mais precisar deles para nada. Elas trocam os próprios pneus, pintam as próprias paredes com a mesma destreza com que pintam as unhas. Ela desempenham tarefas que anteriormente eram de exclusividade masculina, e o fazem tão bem quanto pesquisam o menor preço no supermercado.

Mas o fato de não precisarmos mais dos homens para estas tarefas não elimina o desejo de tê-los por perto. Assim como uma Moderna, por mais Amélia que seja, não precisa de um homem para trocar uma lâmpada, não há Amélia Moderna que não adoraria ter um por perto para fazê-lo!

Os homens precisam entender que não é porque não precisamos de algo que deixamos de desejá-lo. Encontrar um homem para nos aquecer a cama é muito fácil. Mas ter o coração aquecido vem se tornando cada vez mais difícil. Mas enquanto não o temos, seguimos com nossas vidas, malhando, trabalhando, nos divertindo... enquanto o lindo Príncipe Encantado não chega.

E onde estão os Príncipes? Mais do que Encantados, onde estão os Príncipes Modernos?
Acuados, assustados, defendidos, a grande maioria dos homens teme se envolver com as Amélias Modernas. Parece que os homens ainda não conseguiram sair da posição de “indispensáveis”, de “necessários”... Temem envolver-se com mulheres que, aparentemente, não precisam mais deles. Ainda não aprenderam que por mais que algumas coisas mudem, outras permanecem sempre iguais... O desejo de ter um homem que possa ser nosso para sempre ainda persiste, dentro de nós. Queremos nos casar, constituir família, ter filhos que cresçam em um lar estável e estruturado. Mas não topamos mais pagar qualquer preço para isso, simplesmente porque não precisamos.
Queremos ser respeitadas, antes de sermos amadas. Vivemos em uma sociedade extremamente hipócrita, com seus homens de meia idade muito bem casados, que jantam com suas famílias sentados á mesas muito bem arrumadas... E que às vezes, no meio de uma tarde de quarta-feira, podem ser encontrados no mais elegante motel, comendo a secretária. Uma sociedade que prega que se o homem cumpre com seus deveres como marido, a esposa deve estar satisfeita; não somos mais obrigadas a nos satisfazermos com pouco. Não queremos mais ter nossa inteligência subestimada. Será que é pedir demais?

Dizem que mulheres são como maçãs... Que as melhores estão no topo da árvore, e que os homens não querem alcançar essas boas, porque temem cair e se machucar. Que preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. As maçãs do topo pensam que há algo de errado com elas, quando na verdade ELES estão errados. Não nos incomodamos em esperar um pouco para que o homem certo chegue, aquele que é valente o suficiente para escalar a árvore... E que não tenha medo de altura. Nem da altura da árvore, e nem de nossa própria.
Agosto de 2004