sexta-feira, 11 de maio de 2007

Trouxa

Eu sou Trouxa. Trouxa assumida, daquelas com luminoso na testa em néon piscando: Trouxa. Já tentei deixar de ser; ser esperta, malandra, mais ligada. Mas as pessoas serão sempre o que já o são, e isso, no meu caso, traduz-se em uma única palavra: Trouxa.

Para quem se perguntar o por que de tanta convicção em auto denominar-me Trouxa, explico. Sou Trouxa, entre outras inúmeras razões, por acreditar que as pessoas são, em sua grande maioria, essencialmente boas. Que não têm a intenção de enganar, ludibriar e usar as outras pessoas em nome de seu bem-estar.

Sou Trouxa por sempre buscar, nos idos do passado das outras pessoas, fatos que justifiquem suas atitudes atuais, nem sempre tão altruístas ou generosas assim. “Coitadinha, nunca se deu bem com os pais”. “É solitário, não tem com quem desabafar”. “Pobrezinho, levou um perdido de uma garota há dez anos atrás e ficou traumatizado”. É, Trouxa de carteirinha. Daquelas que pagam até mensalidade do Clube dos Trouxas Unidos.
Sou Trouxa por acreditar que os crápulas mais inescrupulosos – daqueles que toda mulher, ao se aproximar, deveria proferir o Oxalá “pé de pato, mangalô três vezes” por precaução – podem se tornar pessoas boas. Que só precisam encontrar a mulher certa, geralmente esta Trouxa que vos fala, para entrar na linha e se transformar no genro que mamãe pediu a Deus... Algo como, em termos psicanalíticos, negar a própria falta sendo a personificação da falta que falta no outro, e um outro geralmente de índole. Trouxa, com firma reconhecida em cartório.

Sou, sim, Trouxa. Trouxa por considerar que tudo vale à pena se a alma não for pequena. E se houver algo a ser aprendido em cada experiência, tudo deve de ter um porquê e coincidências não existem. Trouxa por não conseguir prever – qualquer australopitecos conseguiria – que um homem desprezado por uma mulher no passado, fato este freqüentemente lembrado, relembrado e trilembrado por este mesmo homem em quaisquer situações, irá, assim que tiver a chance, desprezar a vingar-se desta mesma mulher. Trouxa por afirmar, do alto de minhas tamancas, que não quero mais que ele ligue. Totalmente trouxa por, ainda assim, me questionar o porque de ele não ter ligado. E absolutamente Trouxa por sentir frios no estômago quando o celular toca. Trouxa, e Trouxa tamanho família, embrulhada em papel de presente, e para viagem!

Sou tão Trouxa, mas tão Trouxa, que mesmo sabendo que me livrei de uma boa, ou como diria meu pai, de um merdinha hiperproteico e hipocefálico, ainda assim fico sonhando com a próxima vez em que faremos sexo. Trouxa por acreditar que ele vai ligar no dia seguinte, mesmo sabendo que não vai. Por crer piamente que daqui para frente tudo vai ser diferente, mesmo tendo acreditado no mesmo, em todas as outras sempre iguais vezes... Ouxa, ouxa, ouxa, eu sou mesmo muito Trouxa.

No mundo de hoje, Deus salve as crianças, os loucos e os Trouxas. Ser Trouxa, hoje em dia, é quase uma habilidade especial. Como diria minha analista, ser Trouxa é ter esperança. A minha analista, talvez a mais Trouxa de todas, ainda acredita em mim. E eu, apenas aprendiz de Trouxa, acredito na recuperação de canalhas aborígenes, mas não na minha própria, o que mais uma vez mostra o tamanho da minha Trouxisse – ou Trouxidão?

Às vezes penso que seria mais fácil me fechar ao mundo, me tornar uma lagarta no casulo, procurando não sofrer mais por possuir esta essência Trouxa. Mas algo ainda me faz acreditar que tudo isto um dia acabe valendo à pena. Um dia em que eu finalmente me assuma e possa bradar a plenos pulmões, como a criança Trouxa que certamente fui um dia: “Sou Trouxa mas sou feliz, e mais Trouxa é quem me diz!”.
Março de 2005.

4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa amei esse seu artigo.

Gabrielas de Gabriela disse...

Eu tb sou desse clube... e seu texto me lembrou um outro q escrevi na mesma sensação de abandonar a esperança vã da borboleta ingênua e voltar a ser lagarta: http://gabrielassempre.blogspot.com/2011/01/relagartas.html

Anônimo disse...

Achei que eu fosse a última trouxa convicta dos litorais desse Oceano Atlântico, mas é confortante saber que não estou só...

Anônimo disse...

Nossa, perfeito. Não poderia ter traduzido melhor o sentimento de impotência diante dos seres "espertos" que insistem em magoar pessoas de
bom coração que ainda acreditam na humanidade...