sexta-feira, 4 de abril de 2008

Objetivos

Outro dia estava conversando com um amigo na academia; ele me contava de uma garota com a qual estava saindo. Pareciam estar se dando bem, se falando todos os dias pelo telefone, se vendo uma, às vezes duas vezes por semana. Tudo corria às mil maravilhas até que a garota viajou para os jogos universitários da sua faculdade; passaria dez dias no interior, mas prometeu que ligaria para ele durante este tempo. Obviamente, não ligou. Ela nem havia voltado da viagem ainda e ele já tinha saído com mais três meninas da academia, falava que tinha resolvido – da noite para o dia – aproveitar sua vida de solteiro. Disse que naquele mesmo dia iria sair com uma quarta, que eu sabia, mas ele não, era amiga da sumida. Quando eu perguntei o objetivo daquilo tudo, ele me responde: “se quem eu quero não me quer, vou sair querendo todo mundo!”, para logo depois acrescentar, como quem não quer nada, que podíamos combinar de fazer alguma coisa durante a semana. Eu, hein?

Lembrei instantaneamente de outra amiga minha, cujo pai fala pouco, mas quando fala, é muito sábio. Ela contava ao pai que tinha saído com um carinha na terça, outro na quarta e que estava se arrumando para sair com um terceiro na sexta. E ele, perspicazmente, comentou: “E eu fico aqui me perguntando o objetivo disso tudo...”. Parei para pensar na enorme quantidade de vezes em que eu mesma faço coisas cujas conseqüências poderiam ser desastrosas – e algumas vezes de fato o são – sem me questionar o verdadeiro objetivo das minhas atitudes.

Penso que a grande maioria das pessoas é assim. Não se questionam, não param sequer por um momento para pensar a real motivação de se comportarem de X ou Y maneira. Tenho até mesmo uma paciente que sempre, ao final do relato sobre alguma coisa que lhe aconteceu, acrescenta, com um sorriso tímido: “Se eu tivesse parado e respirado por dez segundos, não teria feito nada disso!”. E eu fico sempre me perguntando... e porque não parou para respirar? Porque essa necessidade de atuação, de agir, de fazer, de acontecer? Qual é esse medo que existe em dar uma pausa, observar as reais motivações que levam a cometer esta ou aquela atitude? Entrar em contato com o que de verdade se sente?

É inacreditável o número de pessoas que conheço que não entra em contato com seus sentimentos. Se escondem daquilo que sentem como se seus próprios sentimentos lhe fossem inimigos terríveis. Outro dia conversava com uma amiga, que me dizia, chorosa: “Prefiro passar por cima dos meus sentimentos do que por cima de mim mesma!”. E qual é a diferença? Essa minha amiga vinha encarando seus sentimentos como algo externo a ela própria, como algo que deveria ser combatido, renegado, expulso, exorcizado de dentro de si. Outra amiga me dizia, dia desses, que sabia que não deveria estar sentindo X sentimento, e que por isso acabava se punindo. E quem, em nome de Jesus, é capaz de dizer o que se deve ou não sentir?

Sentimentos não são certos, errados, aconselhados ou contra-indicados, bons ou maus. São simplesmente sentimentos. Certo, errado, bom ou ruim é o que fazemos a partir destes sentimentos. Você não pode ser responsabilizado por amar ou odiar alguém, mas sim pela atitude que toma a partir deste sentimento. Quantas e quantas vezes não estamos com raiva, inveja, rancor ou mágoa de uma pessoa e não nos permitimos admitir estes sentimentos, como se a máxima cristã de sempre amar ao próximo fosse algo possível de ser exercitado vinte e quatro horas por dia? Fingimos que não estamos sentindo nada, mas na primeira oportunidade, despejamos toda a mágoa acumulada em cima desta mesma pessoa, passamos como um Boeing 747 por cima dela, e depois nos sentimos mal; aquela consciência culpada, de quem fez alguma coisa errada.

A grande maioria das atitudes impensadas é tomada a partir de sentimentos que já estavam ali há muito tempo, esperando por ser reconhecidos, mas que foram negados, subjugados, reprimidos. No caso do meu amigo da academia; qualquer pessoa com QI acima de 20 seria capaz de reconhecer que ele nutria um baita sentimento de rejeição pela garota-viajada, menos ele próprio, que possui um QI muito mais elevado do que isso. E eram justamente estes sentimentos que o estavam fazendo sair com qualquer garota, a torto e a direito, para tapar o buraco deixado pela primeira, que não tinha correspondido às suas expectativas.

A questão parece ser a de que admitir os próprios sentimentos, hoje em dia, é sinal de fraqueza. Admitir que se ama quem não nos ama, de que se deseja o que não se recebe, de que se sonha sonhos que não se realizam... tudo isso parece exprimir uma fragilidade extrema, uma fraqueza imensurável... Quando na verdade, toda moeda possui dois lados, e nos dias de hoje, assumir o que se sente me parece muito mais um sinal de força e de respeito por si próprio do que de fraqueza.

A partir do instante em que se toma contato com os sentimentos, em que se admite que talvez o que se sente não é o mais agradável ou confortável, mas que está ali, à espera de reconhecimento e respeito, temos o embasamento necessário para estabelecermos a tomada de atitudes com reais objetivos. Sejam eles quais forem. Mas que existam, pelo amor de Deus.
Março de 2005

Nenhum comentário: