sexta-feira, 4 de abril de 2008

Paixonite

Outro dia estava na academia, e entre uma série e outra de detestáveis exercícios, peguei-me ouvindo o papo de duas meninas, que se matavam em outro aparelho de musculação. Meus ouvidos apurados de psicóloga e minha atenção flutuante permitiram com que eu prestasse atenção nas duas coisas ao mesmo tempo; em meus esforços físicos e no esforço mental que uma das meninas fazia para explicar a outra o que estava sentindo por um paquera.

A menina dizia que não conseguia pensar em outra coisa; tudo a fazia lembrar do pretendente. Uma música, um clipe musical, um perfume, um carro. Contava ela, às gargalhadas, que comprara uma revista de esportes só para ficar por dentro do que acontecia ao time de futebol do cara. Havia comprado até uma blusinha nova, porque no dia seguinte talvez encontrasse o rapaz na faculdade e talvez ele reparasse seu bom gosto ao vestir-se. Ficava imaginando se os sobrenomes, seu e do menino, combinavam juntos no nome que ela já havia escolhido para o filho de ambos. A outra menina ria. Dizia que ela estava apaixonada, ao que a outra discordava. Estava com paixonite.

Quase explodi em risadas ao pensar no significado deste novo e intrigante termo. Todo pós-fixo “ite” imprime à palavra um sentido de doença. E tive de concordar que estes estados amalucados, quando nos mega empolgamos com um romance novo, têm lá mesmo um algo de doentio. É quase como se fosse uma infecção. Somos infectadas pela idéia fixa que atende pelo nome do pretendente. Nada nos faz parar de pensar nele. Nos envergonhamos quando nos damos conta de que parecemos adolescentes encantadas com o primeiro amor.

Lembro-me de quando tive minha primeira paixonite. Eu tinha 12 anos e era completamente maluca por um menininho da praia, amigo de uns moleques da minha rua. Ele era lindo. Tinha a bicicleta mais moderna e possante de todas. Adorava Heavy Metal e tinha umas camisetas lindas do Metallica. E eu não conseguia parar de pensar nele. Imaginava nós dois andando de bicicleta pela calçada da praia, tomando um sorvete; ficava imaginando como seria nosso primeiro beijo – eu nunca tinha beijado na boca antes. Imaginava até como ele se sentiria orgulhoso de mim quando eu ganhasse dele no vídeo game. Ai ai, a primeira paixonite a gente nunca esquece.

Para efeitos de curiosidade, nunca beijei o dito-cujo na boca. Beijei um outro menino antes, só para saber como é que se fazia, mas tive o azar de ter sido flagrada pela minha paixonite em plena beijocação no quebra-mar Nos tornamos grandes amigos, o que somos até hoje. Mas nunca vou me esquecer daquela sensação... De toda aquela atividade imaginativa.

Acho que quando viramos gente grande, deixamos um pouco de lado a imaginação. Somos guiados muito mais pelo real e pelo concreto; é incrível como acontece freqüentemente de pacientes minhas me contarem, envergonhadérrimas, seus devaneios paixoníticos. Uma me dizia outro dia que sua paixonite era um gato, que tinha o nariz um pouco adunco, era verdade, mas que nos filhos a sua própria genética nasal contrabalancearia a dele. Estacou de repente, parecendo dar-se conta do que havia dito. Ficou roxa. Não pude deixar de colocar minha neutralidade de canto para rir junto com ela.

Porque não nos permitir devanear de vez em quando? Somos adultos, claro, e sabemos que imaginar é uma coisa, e idealizar é outra. Qual é o problema de, no meio de uma tarde aborrecida de trabalho, escrever como quem não quer nada, em um pedaço de papel, o seu nome com o sobrenome do paquera? Qual é a grande questão de imaginar, enquanto se mata na esteira da academia, como seria a lua de mel de vocês? Quem é que nos proíbe de, vez ou outra, imaginar a fisionomia que teriam os pimpolhos, frutos do casamento de vocês?

Se tiver a oportunidade, observe uma criança pequena brincando. A atividade imaginativa e criadora de uma criança é algo fascinante. Se tiver a chance, experimente brincar com ela. Solte sua imaginação, lembre-se de quando você era pequeno e passava horas brincando de Barbie, ou de Comandos em Ação, se for homem. Libere seus pensamentos, perca-se na sua imaginação. É algo fantástico, que de certa forma faz com que você se sinta mais leve, mais sereno.

A vida já é muito séria e severa. Permitamos- nos ter nossas paixonites de vez em quando. Não nos reprimamos. Não havia repressão nas brincadeiras com bonecas, tudo era permitido. Liberte-se de seu racional e construa imagens agradáveis em sua cabeça.

Seja criança novamente, brinque com a vida real, na qual a boneca é você. Levar a vida tão à sério desgasta, pira e cansa. Brinque de imaginar seus desejos se realizando. Não é proibido, não se paga taxa e nem imposto nenhum e faz um bem danado à saúde.
Março de 2005

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