sexta-feira, 4 de abril de 2008

Rolo

Se você começa a sair com uma pessoa, descobre várias afinidades entre vocês, têm um papo legal, uma química interessante, começam a se falar sempre pelo telefone, a saber do passado um do outro, a citar os respectivos amigos pelo nome, e não genericamente como “um amigo meu”... inevitavelmente, em algum momento desta epopéia irá se perguntar: “será que estou namorando”? Talvez seus próprios amigos introduzam o tema namoro na história: “Ih, pronto, ela já ta de namorado novo!”, “Pronto, uma a menos no rol das solteiras!”...

É inacreditável a quantidade de conhecidas minhas que se encontram neste impasse. Não sabem definir precisamente o grau de envolvimento que vivenciam, incomodam-se com o fato de não haver nada definido, de não saberem quais são as regras do jogo que estão jogando – se saem, convidam o cara ou não? Se estão com vontade de ligar, mas foram as últimas a fazê-lo, ligam ou esperam o bofe se manifestar? Se têm saudades, falam ou guardam para si este sentimento? Enfim, estão ficando ou namorando?

Alguém mais descolado e moderno pode afirmar veementemente que rótulos não importam. Que o que importa é a relação, como você e o pretendente se tratam, como se sentem um na presença um do outro. Mas, pelo menos no meu entendimento, a diferença toda pode estar no detalhe do nome dado ao relacionamento. Eu explico.
Vamos supor que você esteja ficando com alguém. Vocês se falam ao telefone quando têm vontade, saem quando têm vontade... e quando não têm, não se telefonam, não dão satisfações das respectivas vidas. Você pode ficar chateada se de repente resolveu reservar a noite de sexta-feira para sair com ele e ele simplesmente não ligou. Mas não pode demonstrar isso, porque, afinal, que obrigação ele tinha de telefonar? Vocês não tem nenhum compromisso, são ficantes. E se você resolveu reservar um espaço na sua agenda para ele, o problema é seu, ninguém mandou.

Você também não deve se sentir no direito de se irritar se acaso suspeitar que ele sai com mais pessoas. Afinal, fidelidade não é uma das regras do ficar. Você pode ficar chateada se alguma amiga fizer a denúncia de que encontrou com ele numa balada, e que ele estava acompanhado. Mas nunca poderá ligar para o canalha soltando os cachorros, dizendo que você pode ser loira, mas não burra, e que ele não pode te fazer de otária. Porque ele pode, sim. Afinal, quem disse que ele teria que ficar só com você?


Muitas vezes penso que as coisas eram muito mais simples na época das nossas avós. Naquela época, se você saía com um cara mais de três vezes, se ele te beijava ao te deixar no portão da sua casa... você estava namorando. Porque se um dos envolvidos não estivesse a fim de envolvimento, não saía mais do que uma vez, nem chegavam a se beijar. Naquela época os costumes eram outros, a sexualidade não era um assunto tratado na mídia displicentemente como é hoje em dia. A mulher ainda tinha algo de sagrado, de profundamente respeitado, protegido e resguardado, e as casas de meretrício serviam justamente para que os homens pudessem dar vazão a impulsos que não poderiam encontrar objetos outros que senão mulheres que se prestassem exclusivamente a isso. Mas hoje em dia... A mídia até mesmo valoriza o despreendimento sexual, passando a imagem da “mulher de Nova”, que deve transar sempre que quiser, e que deve procurar um analista se não tiver orgasmos múltiplos a cada transa...

Nesta perspectiva, namorar pra quê? Assumir compromisso quando? Vivemos numa sociedade sem superego, onde tudo é permitido, nada é proibido, contanto que cada um assuma responsavelmente as conseqüências por seus atos. E o resultado disso é cada vez mais e mais pessoas perdidas, que sentem o que não podem sentir, que desejam o que não devem desejar, que fantasiam o que lhes é proibido fantasiar. O romance perde espaço, cedendo lugar à aventura... O que faz com que voltemos então ao nosso par de opostos, ficar – namorar...

Outro dia saí da terapia reanimada – ah, se todas as sessões fossem assim... Minha terapeuta escandalizou meu psiquismo ao afirmar que as coisas não são oito ou oitenta, céu e terra, bem e mal, ficar e namorar. Propôs uma terminologia interessantíssima, que me acalenta em todas as aflições. Propôs o rolo.

O rolo é um momento intermediário de envolvimento, entre o ficar e o namorar, no qual estão presentes algumas características de ambas as categorias. No rolo você pode conversar com o pretendente todas as noites antes de dormir, mesmo que saia para uma balada no momento seguinte em que desligar o telefone. No rolo você tem o direito – graças a Deus! – de dizer que tem saudades. O rolo nos autoriza a ficar P da vida se encontramos o cara com outra, a dar um puxão de orelha se ele ficou de ligar e não ligou. E tudo isso sem espremer a relação dentro de uma categoria comprometedora como o namoro!

No rolo as pessoas se conhecem, vão a fundo nas qualidades e nos defeitos um do outro, para então, tirarem suas conclusões se este é um relacionamento bacana, no qual vale à pena investir. Você pode até ficar com uma pessoa enquanto estiver de rolo com outra, mas provavelmente nem sentirá vontade, já que no rolo já existe uma espécie de envolvimento. No rolo você tem a oportunidade de se permitir decidir o que é melhor ou não para você. Ás vezes você percebe algumas características que, em um namoro, te deixariam de cabelo em pé. Em outras palavras, o rolo também serve para que, algumas vezes, você se livre de uma boa.

Depois de uma certa época, passa a ser um risco assumir um compromisso sério com uma pessoa sem avaliar corretamente as chances do relacionamento dar certo. Afinal de contas, é uma coisa namorar dois, três anos quando se tem dezoito, e perceber que não deu em nada, e outra completamente diferente passar tanto tempo ao lado de uma pessoa quando se tem vinte e cinco anos – se não der certo, começar do zero aos trinta? Com o tempo, você vai – ou pelo menos deveria – acumulando experiências, para não reincidir em erros cometidos anteriormente. E no rolo você vai delimitando este espaço, até contar com uma quantidade de informações suficiente para decidir se é melhor namorar – ou não.

E tudo isso por um preço módico: o de admitir que você está sozinha, que não tem um compromisso com outra pessoa, mas sim um compromisso assumido consigo mesma de descobrir o que te agrada ou não, o que te faz bem ou não, o que é para você ou não. De se permitir conhecer – mais do que o outro, a si mesma. Aproveite a chance: avalie. Veja se a outra pessoa é boa o suficiente para estar ao seu lado, observe-a em situações práticas do dia-a-dia. Dá gorjeta para o manobrista? Fala alto demais dentro do cinema? Olha para a derriére de qualquer sirigaita que cruza o seu caminho?

Fique de rolo agora, para não se enrolar mais tarde.
Março de 2005

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