sexta-feira, 4 de abril de 2008

Amélias Modernas

Nós somos Amélias Modernas. O que não significa que sejamos totalmente Amélias, e nem completamente Modernas. As Amélias Modernas representam uma importante parcela da população feminina atual, que vive um momento interessante de reinvenção e de auto-aceitação.

Somos Amélias quando gostamos que nos abram a porta do carro, e Modernas quando dispomos de nossos próprios carros para fazermos o que quisermos. Somos Modernas quando saímos entre amigas, e gastamos uma fortuna em um restaurante descolado, mas Amélias quando queremos que eles se ofereçam para pagar a conta.

A Moderna que há em nós ousa na hora de se vestir, mas é a Amélia que ouve os elogios. Já a Amélia olha de soslaio, com ar de quem não quer nada, para o homem lindo do outro lado do bar; mas quando ele se aproxima e puxa papo, é a Moderna que resolve pedir o telefone dele, ao invés de dar o seu.

Dizem que Amélia não tinha a menor vaidade, apesar de ser a mulher de verdade. Nós somos vaidosas ao extremo. Não pensamos duas vezes na hora em que uma cirurgia plástica parece ser a melhor opção para que nos sintamos cada vez mais bonitas. Mas ao invés de nos arrumarmos e malharmos e nos cuidarmos para os outros, fazemos tudo isso para nós mesmas. Para que nos sintamos cada vez mais bonitas, cada vez mais felizes.

A Amélia que há em nós nasceu no século 20, e é a Moderna que está se tornando mulher de verdade em pleno século 21. E são tão contraditórias entre si que às vezes temos algum trabalho em conciliá-las; o conceito de Amélias Modernas ainda não é muito bem compreendido pela nossa sociedade, que vive um momento de transição entre a repressão Ameliana e a libertinagem Moderna.

Muitas mulheres ainda se mascaram, escondem-se atrás de rótulos bem comportados. Mas quando a noite cai e todas as gatas são pardas, revelam a Pantera que existe dentro de si, requebrando sensualmente em anônimas pistas de dança, ou fazem apelativos e stripteases, protegidas pelas web cams. E lá estão elas, na manhã seguinte, dentro de seus terninhos engomados e muito bem passados. Os bolsos cheios de embalagens vazias de preservativos; a cabeça, confusa e envergonhada pela noite passada.

Raras são aquelas que assumem-se verdadeiras Panteras. Raras são aquelas que não se escondem dos olhares alheios seu próprio olhar, faminto, cheio de desejo. A grande maioria prefere manter o discurso de sobriedade e tradicionalismo, ainda que saiba que é apenas isso: um discurso rebuscado, mas pobre em conteúdo.

Ser uma Amélia Moderna pode se transformar am algo assustador, principalmente aos olhares masculinos. Os homens parecem estar mais perdidos do que nunca, diante destas mulheres que não parecem mais precisar deles para nada. Elas trocam os próprios pneus, pintam as próprias paredes com a mesma destreza com que pintam as unhas. Ela desempenham tarefas que anteriormente eram de exclusividade masculina, e o fazem tão bem quanto pesquisam o menor preço no supermercado.

Mas o fato de não precisarmos mais dos homens para estas tarefas não elimina o desejo de tê-los por perto. Assim como uma Moderna, por mais Amélia que seja, não precisa de um homem para trocar uma lâmpada, não há Amélia Moderna que não adoraria ter um por perto para fazê-lo!

Os homens precisam entender que não é porque não precisamos de algo que deixamos de desejá-lo. Encontrar um homem para nos aquecer a cama é muito fácil. Mas ter o coração aquecido vem se tornando cada vez mais difícil. Mas enquanto não o temos, seguimos com nossas vidas, malhando, trabalhando, nos divertindo... enquanto o lindo Príncipe Encantado não chega.

E onde estão os Príncipes? Mais do que Encantados, onde estão os Príncipes Modernos?
Acuados, assustados, defendidos, a grande maioria dos homens teme se envolver com as Amélias Modernas. Parece que os homens ainda não conseguiram sair da posição de “indispensáveis”, de “necessários”... Temem envolver-se com mulheres que, aparentemente, não precisam mais deles. Ainda não aprenderam que por mais que algumas coisas mudem, outras permanecem sempre iguais... O desejo de ter um homem que possa ser nosso para sempre ainda persiste, dentro de nós. Queremos nos casar, constituir família, ter filhos que cresçam em um lar estável e estruturado. Mas não topamos mais pagar qualquer preço para isso, simplesmente porque não precisamos.
Queremos ser respeitadas, antes de sermos amadas. Vivemos em uma sociedade extremamente hipócrita, com seus homens de meia idade muito bem casados, que jantam com suas famílias sentados á mesas muito bem arrumadas... E que às vezes, no meio de uma tarde de quarta-feira, podem ser encontrados no mais elegante motel, comendo a secretária. Uma sociedade que prega que se o homem cumpre com seus deveres como marido, a esposa deve estar satisfeita; não somos mais obrigadas a nos satisfazermos com pouco. Não queremos mais ter nossa inteligência subestimada. Será que é pedir demais?

Dizem que mulheres são como maçãs... Que as melhores estão no topo da árvore, e que os homens não querem alcançar essas boas, porque temem cair e se machucar. Que preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. As maçãs do topo pensam que há algo de errado com elas, quando na verdade ELES estão errados. Não nos incomodamos em esperar um pouco para que o homem certo chegue, aquele que é valente o suficiente para escalar a árvore... E que não tenha medo de altura. Nem da altura da árvore, e nem de nossa própria.
Agosto de 2004

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