sexta-feira, 4 de abril de 2008

Sexto Sentido

Estava saindo com um carinha. Ele parecia ser uma pessoa muito legal, um homem bem diferente dos que andavam frequentando a lista de chamadas recebidas e feitas do meu celular. Tudo parecia estar indo às mil maravilhas, quando de repente, um dia, transamos. Quer dizer, não tão de repente assim, pois estávamos há dias nos amassando dentro do meu carro sempre que eu ia deixá-lo em casa. A transa foi boa... Não acho que a primeira vez com alguém seja uma ocasião orgástica, pois sexo bom, para mim, está intimamente relacionado com intimidade... Mas acredito que a primeira vez com alguém seja uma boa oportunidade para medir o potencial de sucesso – leia-se de orgasmos múltiplos – da relação.

No dia seguinte ele teve a atitude correta, deixou uma mensagem no meu celular. No outro dia telefonei para uma amiga em comum, que namora com um colega dele do escritório, e ela estava com ele, conhecendo o apartamento recém alugado no qual o seu namorado e o meu gatinho iriam morar juntos. Depois de papearmos um tempinho, desliguei o telefone pedindo que ela lhe mandasse um beijo. Mas liguei novamente em seguida, e pedi para falar com ele, dizendo-lhe que havia mandado um beijo pela minha amiga, mas que havia ficado com vontade de mandar-lhe o beijo pessoalmente. Ele foi simpático e atencioso, contando dos detalhes do apartamento, que este ficava no décimo sexto andar do prédio e que ele morria de medo de altura... Mas no momento em que desliguei o telefone, passei a me sentir estranha.

No fundo, no fundo, eu esperava que ele tivesse sido um pouco mais “pessoal” – o que significava um convite para sair ou ao menos um “vamos fazer algo esta semana”. E não uma descrição detalhada do apartamento, de como ele teve azar em ficar com o único quarto que não dispunha de armários, ou do medo que ele sentia ao olhar pela janela do apartamento. Comecei a me sentir insegura: será que agora, que a barreira final do conhecimento – o sexo – havia sido transposta, o interesse de estar comigo se manteria? Questões estas que se intensificaram no dia seguinte, enquanto conversava com o namorado da minha amiga pelo messenger, e ele me dizia que já dormiria no apartamento novo no feriado que se aproximava, pois o meu – “meu”? – gatinho e o outro colega de apartamento viajariam. A notícia me veio como um murro no nariz: ele viajaria? E eu, pensando em deixar de viajar para ajudá-lo na mudança?

A sensação de fracasso que me acometeu logo em seguida foi algo simplesmente aterrador. Algo me dizia que a história tinha ido para o brejo. Ele não me procuraria mais, eu não teria a chance de verificar se a trepada dele era realmente boa ou se havia sido simplesmente “sorte de principiante”, eu não dormiria ou acordaria ao lado dele como havia imaginado, eu não viajaria com ele nem sequer uma vez para a praia e nem para sua cidade natal, eu não me casaria com ele e nem teria filhos que herdassem seu sobrenome – muito bonito, por sinal. Tudo isso por causa de um comentário do namorado da minha amiga: que ele talvez viajasse no feriado. Fiquei me sentindo uma neurótica maluca, ao ponto de cogitar telefonar para minha terapeuta e tentar uma “sessão emergencial” antes do final da semana.

Este “algo me dizia”, que me dizia o que eu não queria ouvir, já havia entrado em ação e me dito outras coisas antes. Que eu seria sacaneada por uma amiga, que meu ex-namorado arrumaria uma atual novinha em folha dentro em breve, que uma ou outra historinha de amor não iria pra frente. E eu comecei a me perguntar: seria este o sexto sentido feminino? Eu realmente estaria tendo pressentimentos do que ia me acontecer – ou do que não iria? Seriam essas sensações realmente pressentimentos, o que faria de mim uma médium perdida na cidade grande, sub-utilizando minhas capacidades de previsão do futuro e desperdiçando-as em romances sem chance nenhuma de dar certo? Ou seriam esses pressentimentos representações de meus medos inconscientes – talvez pré-conscientes – de ser largada depois de ter feito sexo com uma nova conquista? Pior do que isso... Será que desde o princípio eu sabia que o romance não tinha futuro, mas que pelo meu desespero de finalmente encontrar um homem que me amasse, havia intencionalmente colocado uma venda na frente dos meus olhos, tentando “tapar o sol com a peneira” e ignorar a óbvia conclusão de que eu, cujo maior sonho era saltar de pára-quedas, nunca daria certo com um homem que afastava a cama da janela por um medo babaca e infantil de altura?

Quando eu trabalhava em um hospital, tinha uma amiga nutricionista. Ela, uma meiga e simpática garota de 22 anos, solícita e delicada, era completamente apaixonada pelo médico-residente chefe do serviço, um homem de 26 anos. Mulherengo, extrovertido e narcisista em excesso, paquerava e bolinava todas as outras mulheres da equipe, enquanto minha amiga esforçava-se para nele continuar enxergando o genro que sua mãe havia pedido a Deus.
Quando por ele foi rejeitada e trocada por uma enfermeira de 37 anos, ficou horrorizada ao se dar conta de que ele nunca fora o príncipe encantado no jaleco branco que ela sempre havia, nele, enxergado. Até que ponto nós, quando desejamos nos convencer de algo, conseguimos nos enganar e mudar a realidade a nosso favor, como se fôssemos psicóticos entorpecidos, que usam o delírio como um mecanismo de defesa na incapacidade de entrar em contato com a frustração advinda do meio?

Tentando, a todo custo, chegar à uma conclusão quanto a estas questões que me atormentavam, repassei mentalmente todos os encontros que eu havia tido com o meu ex-futuro-se-tudo-desse-certo-marido. Ele tinha uma profunda dificuldade em demonstrar carinho em público. Um dia fomos jantar com uns amigos seus do escritório, um casal que namorava há pouco mais de um ano. Lembro-me de como me senti, como se eu também fosse uma “colega” de serviço, tentando acompanhar o diálogo “advogadêz” que se desenrolava à minha frente, sem que ele nem ao menos pegasse na minha mão ou se esforçasse em traduzir-me o que estava sendo dito. Tímido em excesso, havia feito com que eu me sentisse extremamente tensa na ocasião em que conheceu meus amigos, pela sua absoluta incapacidade de se entrosar e manter uma conversa de dois minutos se eu, acaso, não estivesse por perto, facilitando o diálogo. Tinha opiniões contrárias às minhas em assuntos um tanto quanto conturbados como aborto, drogas e assassinatos decorrentes de abuso sexual. Tinha gostos absolutamente divergentes dos meus: enquanto eu adorava ir à praia pegar onda, jogar frescobol e tomar sol, ele preferia sentar-se confortavelmente em uma cadeira debaixo do guarda-sol e deliciar-se com loiras geladas – não eu saída do mar, mas as cervejas que, de quebra, davam um up grade em sua barriguinha. E por fim... o sexo. Encarei de frente o fato de que eu adoro ser mordida e ter os cabelos puxados durante o ato sexual. E ele... digamos que não era adepto do estilo “no pain, no pleasure”. E admitamos que ele não era, assim, tão bem dotado.

Me escandalizei diante do fato de que eu e ele nada tínhamos em comum. Mais uma vez, o que me ligava a ele era minha carência excessiva, meu desejo de encontrar um homem bom, inteligente e dedicado que me amasse e cuidasse de mim. E nada mais. Mais uma vez eu estava, por mera falta de opção, transformando um sapinho – bonitinho e bem cheiroso, era verdade – em um príncipe encantado que me salvaria de mim mesma e me daria um sentido e um objetivo na vida.

E meu sexto sentido... Nada mais era do que a concretização de minhas certezas inconscientes (de que não daríamos certo pela absoluta falta de identificação), com uma pitada de masoquismo (ser abandonada para não abandonar), misturada com fantasias referentes ao meu potencial sexual (sou mesmo boa de cama?)... Levados ao fogo brando (o sexo que tivemos) por vinte minutos (míseros vinte minutos!).

Mudei o foco do meu pensamento, voltei a me concentrar em minha viagem para a Austrália e prometi a mim mesma, que saltarei do maior bungee-jump do mundo, localizado em uma plataforma a 120 metros do chão, na Nova Zelândia. Bah, que medo de altura, que nada!!!
Maio de 2005

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