sexta-feira, 4 de abril de 2008

O que é mais difícil... é mesmo mais gostoso?

Uma de minhas melhores amigas é uma mulher belíssima e extremamente inteligente. Redatora de uma agência de publicidade, é dona de um dos sensos de humor mais perspicazes com os quais já me deparei. Divertida, sexy e com ótimo gosto para se vestir, dificilmente passa despercebida em uma ocasião social. Articulada, consegue relacionar-se com todos os tipos de pessoas com igual facilidade. Sexualmente independente, resolvida consigo mesma e com o mundo, já dormiu com tantos homens lindos que é de fazer inveja a qualquer mortal. Mas apesar de possuir tantas qualidades, ultimamente vem se lamentando da dificuldade em encontrar um homem que, mais do que aquecer sua cama, aqueça seu coração.

Entretanto, há uma característica referente a seu comportamento afetivo e sexual que chama a atenção. Ela costuma se apaixonar por homens que possuem em comum uma única característica: nunca estão disponíveis. Sua mais recente paixão foi por um homem grosso, mal educado, comprometido e que agia como se a tomasse por imbecil e idiota, desprezando sua inteligência. Antes disso, apaixonara-se por um “amigo” que vivia a cortejando, no exato momento em que ele começou a namorar com outra. E para finalizar, encantara-se com outro dias antes de ele se mudar do país. E é desnecessário dizer que antes de pensar em viajar, este também vivia convidando-a para sair. E ela nunca tinha vontade.

A impressão que eu tinha era a de que se tratava de uma dinâmica típica de uma pessoa com um escancarado medo de se envolver. Esta idéia foi reforçada quando ela me contou que havia saído com mais um homem que havia levado-a para jantar em um restaurante japonês caríssimo – e pagado a conta – e que a tratara muito cortesmente, presenteando-lhe com uma blusa muito bonita e nem sequer tentando-a beijar no final do encontro. Mas ela não lhe dera a mínima. Ela interessava-se apenas por homens que não estavam disponíveis e que não apresentavam condições de proporcionar-lhe o que desejava. Como se estivesse em um ponto, esperando um ônibus de determinada linha passar, mas ao invés de entrar em um com ar condicionado, vazio e com poltronas confortáveis nas quais pudesse se sentar, escolhia deliberadamente entrar em um caindo aos pedaços, lotado e no qual mal poderia respirar de tanto calor.

Esta percepção me fez lembrar algumas sessões com minha terapeuta, nas quais havíamos conversado sobre este mesmíssimo assunto: a extrema facilidade em me apaixonar e manter-me interessada por homens que não me davam a mínima e, por outro lado, a mesma facilidade em desinteressar-me e me afastar daqueles que se mostravam genuinamente disponíveis e bem intencionados. Na época esta intervenção pareceu-me absurda e até mesmo ofensiva: eu não era nenhuma masoquista, retardada e viciada em rejeição!!! Mas passado algum tempo, comecei a cogitar veementemente tal possibilidade.
Seria possível que nós, mulheres inteligentes e interessantes fôssemos, por outro lado, estúpidas ao ponto de nos permitirmos envolver sempre com os homens errados? Estaríamos nós, guiadas pela máxima de que o que é mais difícil é também mais gostoso, desperdiçando as possibilidades de encontrarmos homens bons e dispostos a viver, conosco, algo que valesse a pena? E direcionando sempre nossos pensamentos e sentimentos para homens que, nem em um milhão de anos, nos dariam o que queríamos? Em última análise, estaríamos nós reproduzindo o comportamento masculino – do qual sempre nos queixamos – e quando percebemos que o “alvo” de nosso interesse está disponível, imediatamente nos desinteressamos?

Angustiada pela possibilidade de estar sendo, eu mesma, minha própria inimiga, sabotando minhas chances de ser feliz e imitando os movimentos instintuais caninos de correr atrás do próprio rabo, pus-me a pensar em meus últimos relacionamentos amorosos. Tentando identificar em mim mesma um padrão de envolvimento, cheguei a conclusões estarrecedoras. Quando eu percebia que um homem pelo qual eu estava interessada não me correspondia, ao invés de partir para outra ou simplesmente olhar ao redor verificando se não havia por perto algo melhor, eu fazia do cidadão um verdadeiro desafio. Um que nunca namorou ninguém? Ah, comigo ele namoraria. Um que nunca foi fiel? Ah, comigo ele seria. Um que pensava em se mudar de cidade? Ah, por mim ele mudaria de idéia.

Ao invés de me afastar dos tipos que, previsivelmente, me fariam sofrer, eu intencionalmente permitia-me me aproximar. Transformava a “dificuldade” ou o “defeito” da pessoa em um desafio pessoal. Como se ela apenas fosse do jeito que era porque não havia me conhecido antes. Eu, o umbigo do Universo, a mulher mais interessante do planeta Terra, certamente conseguiria o que nenhuma mulher havia conseguido antes: consertar um homem errado. E, se acaso conseguisse, o mérito seria totalmente meu. Assim, eu confirmaria a mim mesma o quão especial, maravilhosa e superior eu era. E as outras pessoas me olhariam e comentariam entre si, “nossa, ela conseguiu... e se conseguiu, é porque realmente é muito especial!!”. E eu me convenceria de que realmente possuía tais características. Pura insegurança de minha parte.

Mas o pulo do gato nessa história toda era que a idéia contrária também era verdadeira: uma vez que, se eu conseguisse o que queria, o mérito seria meu... se não conseguisse é porque a falha também haveria de ter sido minha. Na verdade, a minha grande falha era a de não levar a outra pessoa em consideração. Não pensava na possibilidade de que talvez o cara fosse mesmo um problemático que nem eu e Freud, juntos, poderíamos dar conta. Que talvez ele tivesse acabado de sair de uma aventura amorosa e estivesse traumatizado. Que ele talvez fosse viado e ainda não houvesse se descoberto. Enfim, que talvez a razão pela qual meus planos teriam ido por água a baixo não dissesse respeito exclusivamente à minha pessoa. Por mais especial, inteligente e interessante que fosse.

Complementarmente, permitir que uma pessoa interessada em mim se aproximasse significava me mostrar como verdadeiramente eu era. Não teria que “fazer tipo”, que planejar frases, que escolher as melhores palavras de modo a agradar e a conquistar quem quer que fosse, pois a pessoa já estaria interessada. Já havia percebido minhas qualidades sem que eu precisasse ficar “esfregando-as” na cara de ninguém. Muito pelo contrário, me permitir envolver significaria permitir que a pessoa conhecesse, também, meus defeitos e minhas piores facetas. Buscando sempre as pessoas erradas eu estaria, na tentativa de me envolver, me impedindo de me envolver. E também de me relacionar, o que significava levar o outro em consideração... afinal, uma relação é feita de, no mínimo, duas pessoas.

É incrível a capacidade que temos de nos sabotar. Afinal de contas, só consegue enganar alguém quem conhece profundamente quem vai ser enganado. E neste caso, ninguém nos conhece mais do que nós mesmos. O que nos impede de aceitar conhecer uma pessoa que se mostra disponível é, em última análise, o medo da rejeição. Enquanto tentamos conquistar alguém, buscamos decifrar o que agradaria a pessoa, ocultamos tudo aquilo que não seria adequado, pegamos todas as nossas qualidades, as lustramos e colocamos todas elas em uma vitrine, bem expostas aos olhos do objeto de nosso interesse. Não há relação, apenas o jogo da conquista. O que não acontece quando nos deixamos envolver com uma pessoa que já se interessa por nós. Neste caso há uma relação, há a convivência, há a troca. E os defeitos e coisinhas irritantes também têm o seu espaço.

Na verdade quando conseguimos ocultar nossos defeitos dos outros, é quase como se conseguíssemos ocultá-los de nós mesmos...
Março de 2005

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